Agora parece-me tudo tão claro. Enquanto as coisas forem vistas desta forma a insatisfação fundamental vai sempre existir. O problema é as coisas aparecerem permanecerem e depois desaparecerem. A solução é ver que não permanecem, que é tudo apenas um fluxo.
Podemos procurar esquecer esta insatisfação de fundo, consequência de ver tudo a morrer à nossa volta, de irmos também morrer, e nada parecer ter sentido. Para isso é preciso arranjar muitas distracções, fazer muitas coisas para não pensar muito. E ir vivendo pequenos prazeres, cultivando os apegos. E vejo toda a gente à minha volta a seguir este caminho, a agarrar-se a coisas, a distracções, a tentar fazer muitas coisas, convencidos de que é a solução, de que é "aproveitar a vida", todos a fugir de si próprios, desesperadamente, tudo em vão... Esta solução não me satisfaz, definitivamente. Sei que a insatisfação se vai sempre manter. No entanto por vezes desperdiço tanta energia a alimentar ilusões, que agora vejo claramente só me afastarem do essencial: a realidade, dura e crua. Não quero voltar a fugir.
Outra hipótese é adoptar um sistema de crenças, uma religião qualquer que nos permita explicar tudo, e tudo fica com sentido. Isto para mim também não dá, ia sempre ter dúvidas e a insatisfação persistiria.
O budismo é qualquer coisa a meio. Não se evita o problema mas também não há crenças. A ideia é precisamente deixar as crenças, os apegos, soltar todas as falsas seguranças e ver e aceitar as coisas tal como são. Acabar com o "querer que sejam de outra forma". Esta é a raiz do sofrimento, e vendo o Todo, sendo uno com o Todo, o sofrimento desaparece.
Pronto, só há mudança, mais nada, é claro que nada permanece, e não há "eu" nenhum, é tudo uma ilusão. Há um fluxo, apenas. E agora? O problema é que a compreensão disto não basta. Não adianta repetir muitas vezes que as coisas de facto são assim. É preciso despertar, Ver, ou melhor Ser. Talvez um dia venha a ser claro que "os quereres" não são nada, e que os filmes mentais são menos interessantes que este momento, e venha a ser possível estar, em pleno, no momento presente. Na verdade sei que é possível andar neste sentido, e isso para mim basta.
Mas é preciso impregnar o ser com este conhecimento, gerar sabedoria, treinar a mente, meditar. Experimentar a impermanência, no corpo, na mente, no dia a dia... E ficar cada vez mais sensível, cada vez mais desperto. Investigar, e paralelamente à sabedoria cultivar o amor/compaixão, afinal todos os seres têm o mesmo problema, e vai tudo no mesmo sentido. É preciso ir removendo tudo aquilo que nos tapa os olhos.
E se houver mesmo muitas vidas qual é a pressa? :-) Pouco importa se há ou não muitas vidas. O que é facto é que existe um sentido de urgência, um desejo de despertar. Não é útil fazer perguntas sobre a flecha, é preciso remove-la. Na verdade não sabemos grande coisa. E no budismo não se procura explicar tudo. Há um problema concreto, esta insatisfação, o meu sofrimento, o de todos os seres. Há uma intuição de que é possível viver em verdade, deixar as crenças e apegos, soltar tudo, aceitar as coisas tal como são, despertar, acabando finalmente com o sofrimento.
Entretanto, o melhor a fazer é continuar alegremente com a "prática do agora", para o beneficio de todos os seres. Esta frase soa mesmo bem! :-)
quinta-feira, novembro 16, 2006
segunda-feira, novembro 13, 2006
Dhyanas
Faz hoje uma semana que me aconteceu a coisa mais extraordinária de sempre. Estava a passar por um profundo desgosto. Li um pouco de um livro sobre budismo Zen. Uns momentos depois o meu estado de consciência mudou. Estava muito relaxado, todo o querer desapareceu e fiquei num estado de aceitação total. Os sentidos ficaram como que amplificados. Como se o contraste fosse realçado. Comecei a ouvir todos os sons, os pequenos desconfortos mostraram-se, a consciência corporal aumentou, senti uma pequena dor no pescoço que já lá estava. Havia um profundo contentamento. O reconhecimento de que tudo o que existe é o momento presente, aquilo que está realmente a acontecer tornou-se muito mais interessante que os usuais filmes mentais. Os pensamentos começaram a surgir um a um. E era um aparece solta, aparece solta, muito claro. Um deles era "isto está mesmo a acontecer" meio questão, meio afirmação. E outro "nunca vou conseguir explicar isto a ninguém". Também os usuais pensamentos recorrentes apareceram, mas não ficaram, vi-os claramente como ilusões, criadas pela mente para me afastar da realidade, do momento presente, que é única coisa que existe. E surge esta frase plena de significado "é preciso querer Ver, mas para ver Ver não se pode querer".
Foi como se uma película que turva a percepção tivesse sido removida, pela primeira vez. E parecia ver as coisas pela primeira vez. Como se nunca as tivesse notado. O estado era caracterizado pelo soltar, a atenção dirigia-se claramente a cada objecto, visual, auditivo, táctil, mental, para logo depois o soltar. E tudo era observado. Acho que isto pode ser comparado ao que acontece sob o efeito de álcool. Quando se bebe o estado de consciência muda, fica mais obscurecido. Foi como que ao contrário, como se tivesse andado com os copos a vida toda, e agora finalmente, tivesse ficado sóbrio por algum tempo.
Agora sei qual é a diferença entre compreender e Ver. Entendo que mesmo o Dharma é para ser soltado. Vejo claramente que é possível apenas estar, ser só presença, desperta. Viver mesmo o presente ganhou para mim outro significado. O budismo só interessa mesmo para isto. São indicações de quem despertou para nos ajudar a despertar. E despertar não é mais que ver para além do querer, é ver directamente, e não através de conceptualizações inclusive budistas. Claro que provavelmente o que acabei de escrever não faz nenhum sentido para muita gente. Talvez faça para algumas pessoas, para mim faz.
Falei com pessoas esclarecidas sobre isto e parece que é uma coisa natural. Estando num estado de maior receptividade é natural que se tivessem criado condições para isto acontecer. Este estado é aparentemente um estado de absorção chamado "primeiro Dhyana". Estados assim podem ser induzidos. Em retiros prolongados podem-se conseguir induzir intencionalmente. Eu não faço a miníma ideia de como repetir a "experiência".
Note-se que não estou a falar de uma coisa tipo "ah, hoje estou um bocadinho mais claro". Eu não sou muito dado a eventos extraordinários e experiências místicas. Mas isto é mesmo extraordinário e não há qualquer dúvida quando acontece.
Estive depois a ler sobre Dhyanas e parece que existem oito, sendo este o mais básico. E há pessoas que conseguem "entrar" em cada um intencionalmente, permanecer o tempo que querem e sair quando querem.
Decididamente, vou continuar a meditar e a participar em retiros.
Foi como se uma película que turva a percepção tivesse sido removida, pela primeira vez. E parecia ver as coisas pela primeira vez. Como se nunca as tivesse notado. O estado era caracterizado pelo soltar, a atenção dirigia-se claramente a cada objecto, visual, auditivo, táctil, mental, para logo depois o soltar. E tudo era observado. Acho que isto pode ser comparado ao que acontece sob o efeito de álcool. Quando se bebe o estado de consciência muda, fica mais obscurecido. Foi como que ao contrário, como se tivesse andado com os copos a vida toda, e agora finalmente, tivesse ficado sóbrio por algum tempo.
Agora sei qual é a diferença entre compreender e Ver. Entendo que mesmo o Dharma é para ser soltado. Vejo claramente que é possível apenas estar, ser só presença, desperta. Viver mesmo o presente ganhou para mim outro significado. O budismo só interessa mesmo para isto. São indicações de quem despertou para nos ajudar a despertar. E despertar não é mais que ver para além do querer, é ver directamente, e não através de conceptualizações inclusive budistas. Claro que provavelmente o que acabei de escrever não faz nenhum sentido para muita gente. Talvez faça para algumas pessoas, para mim faz.
Falei com pessoas esclarecidas sobre isto e parece que é uma coisa natural. Estando num estado de maior receptividade é natural que se tivessem criado condições para isto acontecer. Este estado é aparentemente um estado de absorção chamado "primeiro Dhyana". Estados assim podem ser induzidos. Em retiros prolongados podem-se conseguir induzir intencionalmente. Eu não faço a miníma ideia de como repetir a "experiência".
Note-se que não estou a falar de uma coisa tipo "ah, hoje estou um bocadinho mais claro". Eu não sou muito dado a eventos extraordinários e experiências místicas. Mas isto é mesmo extraordinário e não há qualquer dúvida quando acontece.
Estive depois a ler sobre Dhyanas e parece que existem oito, sendo este o mais básico. E há pessoas que conseguem "entrar" em cada um intencionalmente, permanecer o tempo que querem e sair quando querem.
Decididamente, vou continuar a meditar e a participar em retiros.
domingo, novembro 05, 2006
Completamente pedido
Agora nada mais faz sentido. O que sou afinal? O que quero? Digo a mim próprio o que sou, o que quero, mas não acredito no que digo. Já não distingo o que sou do que quero ser. Já não sei em que parte do caminho me encontro, oscilo entre a meta a alcançar e um ponto que passou, mas não sei em que ponto me encontro, nem que caminho estou a seguir. Não sinto nada, e depois sinto tanto e depois nada. Onde estão as minhas ilusões preferidas? A realidade é insuportável! Preciso desesperadamente de uma nova ilusão para me agarrar. Estou completamente perdido...
sexta-feira, novembro 03, 2006
O fundo do vale
Às vezes descemos tão fundo que parece que não vamos voltar a subir... mas não é assim, depois vem a colina, vem sempre a colina, e começamos de novo a subir, alguma vez não foi assim?
Reflectir e meditar na impermanencia dá muito jeito nestas alturas... tudo muda, é só uma questão de tempo... melhores tempos virão... a colina vai aparecer...
É só ficar sentado, observar o momento presente... sentir o corpo, observar os pensamentos... sem agarrar ou alimentar nenhum deles...
Reflectir e meditar na impermanencia dá muito jeito nestas alturas... tudo muda, é só uma questão de tempo... melhores tempos virão... a colina vai aparecer...
É só ficar sentado, observar o momento presente... sentir o corpo, observar os pensamentos... sem agarrar ou alimentar nenhum deles...
terça-feira, outubro 31, 2006
Crescer
Quero, sim quero. Poder ter o coração sempre aberto e dar, dar e desaparecer para não poder receber nada em troca. Dar a qualquer ser, sem o ter. Poder tocar qualquer pessoa, dar afecto a qualquer um, a quem nunca vi. Agarrar e dançar com qualquer pessoa, ansiosa ou tranquila, velha ou nova, bonita ou feia, saudável ou doente, perfumada ou mal cheirosa, e sentir para além do seu querer, do seu corpo, do seu cheiro, um coração igual ao meu, e ligar ao ser humano que como eu sofre. Dar um bocadinho de afecto, a qualquer ser.
A dor é tanta que parece que não a vou poder suportar mais. Mas é melhor assim, é melhor manter o coração aberto e sofrer tanto, que ficar insensível, à superfície, morto em vida. As lágrimas que não param de correr e a insuportável dor no peito são boas, são vida. A vida dói, crescer dói.
E devia fazer amor com quem quiser, com que precisar. Devia poder fazer amor com toda a gente. O sexo também pode ser uma forma de afecto. Vendo para além de todos os preconceitos deste mundo obscurecido, é uma forma linda de conectar dois seres, especialmente se não está ligado a nenhuma posse, se não há apego. Fazer amor com quem nunca se viu, encher um coração humano de alegria, e desaparecer...
Sim, quero crescer. Sofrer livremente, fazer de tudo um pouco, descer ao fundo e voltar à superfície e voltar a descer. Já não sei se o budismo me abre o coração ou fecha. Bom, a meditação faz-me chorar tantas vezes. Mas não pode ser só ficar sentado a meditar, protegido das tempestades...
E quero um lar e uma familia. Mas não para me esconder, para me proteger. Quero que o meu lar seja todo o universo e a minha família seja constituída por todos os seres. Quero ser capaz um dia de poder olhar para qualquer ser humano e ver o ser humano, é assim que quero crescer...
E quero deixar de querer... e ser só amor...
A dor é tanta que parece que não a vou poder suportar mais. Mas é melhor assim, é melhor manter o coração aberto e sofrer tanto, que ficar insensível, à superfície, morto em vida. As lágrimas que não param de correr e a insuportável dor no peito são boas, são vida. A vida dói, crescer dói.
E devia fazer amor com quem quiser, com que precisar. Devia poder fazer amor com toda a gente. O sexo também pode ser uma forma de afecto. Vendo para além de todos os preconceitos deste mundo obscurecido, é uma forma linda de conectar dois seres, especialmente se não está ligado a nenhuma posse, se não há apego. Fazer amor com quem nunca se viu, encher um coração humano de alegria, e desaparecer...
Sim, quero crescer. Sofrer livremente, fazer de tudo um pouco, descer ao fundo e voltar à superfície e voltar a descer. Já não sei se o budismo me abre o coração ou fecha. Bom, a meditação faz-me chorar tantas vezes. Mas não pode ser só ficar sentado a meditar, protegido das tempestades...
E quero um lar e uma familia. Mas não para me esconder, para me proteger. Quero que o meu lar seja todo o universo e a minha família seja constituída por todos os seres. Quero ser capaz um dia de poder olhar para qualquer ser humano e ver o ser humano, é assim que quero crescer...
E quero deixar de querer... e ser só amor...
domingo, outubro 29, 2006
As outras duas
Aprendemos a metta. Meditação em que se cultiva o amor. Primeiro
por nós, depois alguém de quem se gosta, depois alguém neutro e
finalmente alguém com quem se tem dificuldades. Fiquei sempre com lágrimas na última fase. Ver a pessoa como um ser humano, que sofre também, ainda sofre mais que os outros, é menos hábil a livrar-se do sofrimento, dai as dificuldades que tenho com ela. Mas as minhas lágrimas não são grande coisa, a tristeza vem da minha impotência em fazer alguma coisa...
E no fim recebemos o mapa da felicidade. Interdependente em oposição a auto-centrado, amor em oposição a avidez/aversão, acção hábil em oposição a acção não hábil e felicidade em oposição a infelicidade. Três círculos concêntricos, no exterior encontra-se a felicidade, amor, acção hábil e interdependência, tudo relacionado.
Adorei o curso, o Sagara, tudo. Mas neste momento, por outras razões, não estou capaz de escrever nada de jeito. Nem avisto ao longe circulo nenhum...
É nestas alturas que a impermanência ajuda... isto só pode melhorar...
por nós, depois alguém de quem se gosta, depois alguém neutro e
finalmente alguém com quem se tem dificuldades. Fiquei sempre com lágrimas na última fase. Ver a pessoa como um ser humano, que sofre também, ainda sofre mais que os outros, é menos hábil a livrar-se do sofrimento, dai as dificuldades que tenho com ela. Mas as minhas lágrimas não são grande coisa, a tristeza vem da minha impotência em fazer alguma coisa...
E no fim recebemos o mapa da felicidade. Interdependente em oposição a auto-centrado, amor em oposição a avidez/aversão, acção hábil em oposição a acção não hábil e felicidade em oposição a infelicidade. Três círculos concêntricos, no exterior encontra-se a felicidade, amor, acção hábil e interdependência, tudo relacionado.
Adorei o curso, o Sagara, tudo. Mas neste momento, por outras razões, não estou capaz de escrever nada de jeito. Nem avisto ao longe circulo nenhum...
É nestas alturas que a impermanência ajuda... isto só pode melhorar...
sábado, outubro 14, 2006
Segunda aula
Aceitação e desprendimento, é o trabalho de casa.
Estava eu todo orgulhoso da minha atitude de aceitação das últimas semanas, e afinal é o que se aprende na segunda aula de um curso de meditação budista! Mas é bom para o ego. Quando algo atinge o ego surge a sua defesa e contra-ataque espontâneos, mas agora às vezes consigo parar, ficar o olhar para mim, não me defender, e divirto-me com a situação. Isto de observar a mente é o passatempo mais divertido e interessante que já tive! Ops, afastei-me do tema.
Aceitação, a ideia não é ficar passivo e aceitar o que nos cair em cima. Pelo contrário, é aceitar as coisas como são, notando todas os aspectos da experiência de estar vivo sem particular apego por nenhum deles, o que nos permite agir com maior discernimento e eficácia. Assim, aceitação e desprendimento estão relacionados.
Uma criança sobre, sofro por empatia com ela, não fico indiferente ao seu sofrimento, mas também não me identifico com o sofrimento da criança, não me apego a essa face de mim, mantenho-me aberto, sensível a toda a experiência, o que permite ter o distanciamento e discernimento necessário para fazer alguma coisa por ela. Estava na aula uma senhora que lida com crianças que sofrem. Ela e o Sagara, deixaram uma luz clara sobre esta ideia, esta atitude de abertura e sensibilidade, que é o desprendimento.
Acho que algumas pessoas consideram que é uma prova de grande sensibilidade ficar completamente impotente perante o sofrimento de alguém, de tanto se sofrer por empatia. E talvez venha daí a confusão entre desapego e indiferença. Acho que de certa forma, o desapego é qualquer coisa a meio, abertura e clareza, entre dois estados de cegueira.
O exemplo da fila no transito também é interessante. Não adianta muito ficar ansioso, a ansiedade não vai fazer os carros andarem ou o relógio parar. É um momento excelente para praticar a aceitação e o desprendimento. Há apego, sou apenas o querer chegar ao destino. É preciso aceitar a situação, não vou mesmo chegar já, estou aqui. E sentir o estar, notar que não tenho que ser só o querer. Estar sentado no sofá do carro também é aceitável. Há coisas para fazer, e uma oportunidade para não fazer nada, apenas estar, sentir o momento, praticar a atenção plena ou fazer Pranaymana... Estava mesmo ansioso com o que? Ah, acho que ia caminho não sei de onde... :-)
Nestas coisas, ser demasiado sério não é bom. Na verdade, o caminho do meio é sempre o melhor em tudo.
Ei, mas não é só na fila de transito que a atitude de aceitação e desprendimento é saudável! Eu acho que é sempre, em todo o instante. Permite-nos mesmo trabalhar de forma mais eficaz. Pois estando relaxado e sem desperdiçar energia em quereres inúteis, é mais simples fazer o melhor possível. E tendo feito o melhor possível podemos desapegar-nos dos frutos, como diz no yoga sutra do Patanjali, das consequências do que fizemos. Pois não podemos controlar tudo, existe a adversidade.
E enquanto ideia isto não serve de nada. Pode-se por em prática, já! Eu estou pondo, ao escrever isto, aceitando as minhas limitações de memória, e para a escrita, e tudo o mais, e sem dar demasiada importância a isto de estar para aqui a escrever num blog, e a ver mais neste momento que apenas a minha mente a produzir palavras que para aqui escrevo.
Ao ler isto podemos observar os seis sentidos. Ver, ouvir, sentir, cheirar, saborear, e observar também a mente incansável, os pensamentos e emoções que vão surgindo... Hum... e quando acabar de ler posso parar por um instante, reconheço a mim próprio o direito de fazer isso, e observo, neste momento único, os seis sentidos, a impermanência...
Estava eu todo orgulhoso da minha atitude de aceitação das últimas semanas, e afinal é o que se aprende na segunda aula de um curso de meditação budista! Mas é bom para o ego. Quando algo atinge o ego surge a sua defesa e contra-ataque espontâneos, mas agora às vezes consigo parar, ficar o olhar para mim, não me defender, e divirto-me com a situação. Isto de observar a mente é o passatempo mais divertido e interessante que já tive! Ops, afastei-me do tema.
Aceitação, a ideia não é ficar passivo e aceitar o que nos cair em cima. Pelo contrário, é aceitar as coisas como são, notando todas os aspectos da experiência de estar vivo sem particular apego por nenhum deles, o que nos permite agir com maior discernimento e eficácia. Assim, aceitação e desprendimento estão relacionados.
Uma criança sobre, sofro por empatia com ela, não fico indiferente ao seu sofrimento, mas também não me identifico com o sofrimento da criança, não me apego a essa face de mim, mantenho-me aberto, sensível a toda a experiência, o que permite ter o distanciamento e discernimento necessário para fazer alguma coisa por ela. Estava na aula uma senhora que lida com crianças que sofrem. Ela e o Sagara, deixaram uma luz clara sobre esta ideia, esta atitude de abertura e sensibilidade, que é o desprendimento.
Acho que algumas pessoas consideram que é uma prova de grande sensibilidade ficar completamente impotente perante o sofrimento de alguém, de tanto se sofrer por empatia. E talvez venha daí a confusão entre desapego e indiferença. Acho que de certa forma, o desapego é qualquer coisa a meio, abertura e clareza, entre dois estados de cegueira.
O exemplo da fila no transito também é interessante. Não adianta muito ficar ansioso, a ansiedade não vai fazer os carros andarem ou o relógio parar. É um momento excelente para praticar a aceitação e o desprendimento. Há apego, sou apenas o querer chegar ao destino. É preciso aceitar a situação, não vou mesmo chegar já, estou aqui. E sentir o estar, notar que não tenho que ser só o querer. Estar sentado no sofá do carro também é aceitável. Há coisas para fazer, e uma oportunidade para não fazer nada, apenas estar, sentir o momento, praticar a atenção plena ou fazer Pranaymana... Estava mesmo ansioso com o que? Ah, acho que ia caminho não sei de onde... :-)
Nestas coisas, ser demasiado sério não é bom. Na verdade, o caminho do meio é sempre o melhor em tudo.
Ei, mas não é só na fila de transito que a atitude de aceitação e desprendimento é saudável! Eu acho que é sempre, em todo o instante. Permite-nos mesmo trabalhar de forma mais eficaz. Pois estando relaxado e sem desperdiçar energia em quereres inúteis, é mais simples fazer o melhor possível. E tendo feito o melhor possível podemos desapegar-nos dos frutos, como diz no yoga sutra do Patanjali, das consequências do que fizemos. Pois não podemos controlar tudo, existe a adversidade.
E enquanto ideia isto não serve de nada. Pode-se por em prática, já! Eu estou pondo, ao escrever isto, aceitando as minhas limitações de memória, e para a escrita, e tudo o mais, e sem dar demasiada importância a isto de estar para aqui a escrever num blog, e a ver mais neste momento que apenas a minha mente a produzir palavras que para aqui escrevo.
Ao ler isto podemos observar os seis sentidos. Ver, ouvir, sentir, cheirar, saborear, e observar também a mente incansável, os pensamentos e emoções que vão surgindo... Hum... e quando acabar de ler posso parar por um instante, reconheço a mim próprio o direito de fazer isso, e observo, neste momento único, os seis sentidos, a impermanência...
quarta-feira, outubro 04, 2006
Não me faças mal...
Se olharmos bem, vemos que qualquer pessoa tem escrito na testa em letras grandes
"não me faças mal"
e um pouco mais abaixo
"e, se possível, gosta um bocadinho de mim"
Algumas pessoas têm um ar tão carrancudo que não conseguimos ver que têm estas frases escritas na cara...
Gostei de ouvir o Sagarapriya dizer isto.
terça-feira, outubro 03, 2006
Primeira aula
Gostei muito da primeira aula. Ouve alturas em que senti muita pena de não ter levado toda a gente comigo pro curso!
O Sagarapriya fala com muita clareza e tem um excelente sentido de humor. E deve ser muito difícil não gostar dele. Eu estava um pouco curioso em como seria um curso de meditação, pois é suposto estar-se calado quando se medita. Bom, no curso a meditação é guiada, e depois temos os trabalhos de casa para fazer em silêncio.
Começámos por perguntar a nós próprios o que pretendíamos com a meditação. Depois falámos com a pessoa do lado sobre isso, e a seguir algumas pessoas falaram para todos. As motivações de todos são naturalmente profundas...
Comemos três passas cada um. Observando, cheirando, ouvindo, saboreando... E depois falámos da experiência. Algumas pessoas não gostavam de passas.
A ideia era notar, sentir, estar atento ao que se está a fazer. Falou-se na inconsciência em que normalmente estamos mergulhados, de tal modo que nem sabemos por onde a mente andou.
E quem não gosta de passas teve a oportunidade de não se identificar com o "não gostar" e comer as passas. Assim até é mais interessante observar. Isto fez-me lembrar aquela ideia para mim muito útil de encarar as adversidades como oportunidades, desafios, para poder melhorar, transcender a limitação, em vez de ficarmos apenas incomodados com o desagrado que provocam. Quando se conseguem ver as coisas assim é um sossego. Em vez da ansiedade de querer que as coisas sejam como gostamos, podemos ficar abertos, receber cada coisa como é, e explorar a experiência o melhor possível. Aceitar as coisas como são é tão importante, é o fim da ansiedade. Mas parece que fazemos um esforço para que as coisas sejam como queremos, como se a vontade de as mudar só por si tivesse algum efeito, além de apenas nos causar mau estar.
Confesso que na primeira passa, além de estar atento à passa, estava também a tentar adivinhar o objectivo da experiência, e lembrei-me da cerimónia do chá, da prática da atenção vigilante... É típico, em vez de sentir a coisa, por vezes penso sobre ela. Mas as outra duas já correram melhor.
Depois fizemos a postura sentado e meditação de plena atenção ao corpo. Como trabalho de casa ficou esta meditação sentada de atenção ao corpo por um lado, e por outro a prática do notar, estar no momento presente, a sentir, a experimentar, que se pode fazer em qualquer altura.
Eu já faço isto, especialmente em relação à negatividade de pensamentos e emoções. Procuro a todo o instante observar logo que surgem, e adoptar de imediato uma perspectiva mais abrangente, que me permite, com um sorriso meio idiota na cara, eliminar a negatividade quase de imediato, e continuar a apreciar.
Acho que, mesmo em relação ao budismo, o meu maior problema é pensar mais que sentir. Estou convencido que a meditação, especialmente a meta, pode ajudar nisto. Queria mesmo poder aproximar-me mais das pessoas e senti-las de modo a ser-lhes útil. Não todos os seres, as pessoas com quem falo... E isto não é armar em bonzinho. Acredito mesmo que é a melhor maneira de cultivar as causas de felicidade, das outras pessoas e também a minha. Hum, vamos ver se o curso ajuda...
O Sagarapriya fala com muita clareza e tem um excelente sentido de humor. E deve ser muito difícil não gostar dele. Eu estava um pouco curioso em como seria um curso de meditação, pois é suposto estar-se calado quando se medita. Bom, no curso a meditação é guiada, e depois temos os trabalhos de casa para fazer em silêncio.
Começámos por perguntar a nós próprios o que pretendíamos com a meditação. Depois falámos com a pessoa do lado sobre isso, e a seguir algumas pessoas falaram para todos. As motivações de todos são naturalmente profundas...
Comemos três passas cada um. Observando, cheirando, ouvindo, saboreando... E depois falámos da experiência. Algumas pessoas não gostavam de passas.
A ideia era notar, sentir, estar atento ao que se está a fazer. Falou-se na inconsciência em que normalmente estamos mergulhados, de tal modo que nem sabemos por onde a mente andou.
E quem não gosta de passas teve a oportunidade de não se identificar com o "não gostar" e comer as passas. Assim até é mais interessante observar. Isto fez-me lembrar aquela ideia para mim muito útil de encarar as adversidades como oportunidades, desafios, para poder melhorar, transcender a limitação, em vez de ficarmos apenas incomodados com o desagrado que provocam. Quando se conseguem ver as coisas assim é um sossego. Em vez da ansiedade de querer que as coisas sejam como gostamos, podemos ficar abertos, receber cada coisa como é, e explorar a experiência o melhor possível. Aceitar as coisas como são é tão importante, é o fim da ansiedade. Mas parece que fazemos um esforço para que as coisas sejam como queremos, como se a vontade de as mudar só por si tivesse algum efeito, além de apenas nos causar mau estar.
Confesso que na primeira passa, além de estar atento à passa, estava também a tentar adivinhar o objectivo da experiência, e lembrei-me da cerimónia do chá, da prática da atenção vigilante... É típico, em vez de sentir a coisa, por vezes penso sobre ela. Mas as outra duas já correram melhor.
Depois fizemos a postura sentado e meditação de plena atenção ao corpo. Como trabalho de casa ficou esta meditação sentada de atenção ao corpo por um lado, e por outro a prática do notar, estar no momento presente, a sentir, a experimentar, que se pode fazer em qualquer altura.
Eu já faço isto, especialmente em relação à negatividade de pensamentos e emoções. Procuro a todo o instante observar logo que surgem, e adoptar de imediato uma perspectiva mais abrangente, que me permite, com um sorriso meio idiota na cara, eliminar a negatividade quase de imediato, e continuar a apreciar.
Acho que, mesmo em relação ao budismo, o meu maior problema é pensar mais que sentir. Estou convencido que a meditação, especialmente a meta, pode ajudar nisto. Queria mesmo poder aproximar-me mais das pessoas e senti-las de modo a ser-lhes útil. Não todos os seres, as pessoas com quem falo... E isto não é armar em bonzinho. Acredito mesmo que é a melhor maneira de cultivar as causas de felicidade, das outras pessoas e também a minha. Hum, vamos ver se o curso ajuda...
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