quinta-feira, novembro 16, 2006

Clareza

Agora parece-me tudo tão claro. Enquanto as coisas forem vistas desta forma a insatisfação fundamental vai sempre existir. O problema é as coisas aparecerem permanecerem e depois desaparecerem. A solução é ver que não permanecem, que é tudo apenas um fluxo.

Podemos procurar esquecer esta insatisfação de fundo, consequência de ver tudo a morrer à nossa volta, de irmos também morrer, e nada parecer ter sentido. Para isso é preciso arranjar muitas distracções, fazer muitas coisas para não pensar muito. E ir vivendo pequenos prazeres, cultivando os apegos. E vejo toda a gente à minha volta a seguir este caminho, a agarrar-se a coisas, a distracções, a tentar fazer muitas coisas, convencidos de que é a solução, de que é "aproveitar a vida", todos a fugir de si próprios, desesperadamente, tudo em vão... Esta solução não me satisfaz, definitivamente. Sei que a insatisfação se vai sempre manter. No entanto por vezes desperdiço tanta energia a alimentar ilusões, que agora vejo claramente só me afastarem do essencial: a realidade, dura e crua. Não quero voltar a fugir.

Outra hipótese é adoptar um sistema de crenças, uma religião qualquer que nos permita explicar tudo, e tudo fica com sentido. Isto para mim também não dá, ia sempre ter dúvidas e a insatisfação persistiria.

O budismo é qualquer coisa a meio. Não se evita o problema mas também não há crenças. A ideia é precisamente deixar as crenças, os apegos, soltar todas as falsas seguranças e ver e aceitar as coisas tal como são. Acabar com o "querer que sejam de outra forma". Esta é a raiz do sofrimento, e vendo o Todo, sendo uno com o Todo, o sofrimento desaparece.

Pronto, só há mudança, mais nada, é claro que nada permanece, e não há "eu" nenhum, é tudo uma ilusão. Há um fluxo, apenas. E agora? O problema é que a compreensão disto não basta. Não adianta repetir muitas vezes que as coisas de facto são assim. É preciso despertar, Ver, ou melhor Ser. Talvez um dia venha a ser claro que "os quereres" não são nada, e que os filmes mentais são menos interessantes que este momento, e venha a ser possível estar, em pleno, no momento presente. Na verdade sei que é possível andar neste sentido, e isso para mim basta.

Mas é preciso impregnar o ser com este conhecimento, gerar sabedoria, treinar a mente, meditar. Experimentar a impermanência, no corpo, na mente, no dia a dia... E ficar cada vez mais sensível, cada vez mais desperto. Investigar, e paralelamente à sabedoria cultivar o amor/compaixão, afinal todos os seres têm o mesmo problema, e vai tudo no mesmo sentido. É preciso ir removendo tudo aquilo que nos tapa os olhos.

E se houver mesmo muitas vidas qual é a pressa? :-) Pouco importa se há ou não muitas vidas. O que é facto é que existe um sentido de urgência, um desejo de despertar. Não é útil fazer perguntas sobre a flecha, é preciso remove-la. Na verdade não sabemos grande coisa. E no budismo não se procura explicar tudo. Há um problema concreto, esta insatisfação, o meu sofrimento, o de todos os seres. Há uma intuição de que é possível viver em verdade, deixar as crenças e apegos, soltar tudo, aceitar as coisas tal como são, despertar, acabando finalmente com o sofrimento.

Entretanto, o melhor a fazer é continuar alegremente com a "prática do agora", para o beneficio de todos os seres. Esta frase soa mesmo bem! :-)

8 comentários:

Avusa disse...

Não te conheço Luis, mas sabe-me tão bem ver que aquilo que eu sinto, é sentido também por outros. Tenho um pouco desse sentimento, dessa vontade que tu tão bem descreves. De ver um mundo com outra clareza. De soltar as amarras que nos prendem ao sofrimento. Simplesmente soltar.
Continua!
Um grande abraço.

ISABEL Mar disse...

fico tão feliz por ler este tipo de textos ...

Imhotep disse...

Obrigado. So voces é que que me entendem :-)

beijos e abraços

Anónimo disse...

'Sinto que a essência da toda a vida espiritual são os sentimentos e a atitude que temos para com os outros.
Se a nossa motivação for sincera e pura, o resto virá por acréscimo. Podemos desenvolver esta atitude correcta para com os outros com base na bondade, no amor e no respeito, bem como na compreensão clara da identidade de todos os seres humanos.'

Dalai Lama

wm disse...

obrigada

Daterra disse...

gostei muito,

uma descrição clara e uma vontade sincera de despertar.

obrigado

Imhotep disse...

Sim, o sofrimento desaparece gradualmente, mas não linearmente! :-) Às vezes o caminho parece-me muito difícil, mas é inevitável, não há saída mais fácil.

Acho mesmo muito importante perceber que não se pode depender de ninguém. Temos tendência a fazer isso. Tipo, "aquela pessoa é que me ia fazia feliz"... :-)

Mas claro que apesar de ser cada um o responsável em última instância, as relações entre pessoas são muito importantes, não se pode viver sem afecto.
Para mim é muito motivador sentir pessoas que seguem uma caminho semelhante ao meu por perto. Mas parece que nesta parte de mundo não há muitos budistas a sério. Somos poucos mas bons! Enfim, como é que fomos nascer num sitio destes? To a brincar...

O fundo do vale também é para ser estudado, claro! Não há nenhum interesse em ficar à espera da colina. Obrigado.

Obrigado pelos vossos comentários, amigos budis! Abraços!

ISABEL Mar disse...

é engraçado observar como há mesmo várias leituras para um mesmo evento: tu dizes que somos poucos, eu acho que somos muitos ... refiro-me aos budistas a sério... achas mesmo que somos poucos? eu acho que somos taaaaaantos... e cada vez reparo que somos mais... definitivamente tens k ir ao Algarve, a Monchique :)