quarta-feira, junho 05, 2013

Esforço sim, mas apropriado


Alguns colegas meus em Coimbra passavam os dias a estudar. No entanto eu achava que não se esforçavam. Pareciam acreditar que ficar muito tempo a olhar para os cadernos teria que produzir bons resultados. Tinham fé em algum misterioso sistema de retribuição. E depois chumbavam.

Eu esforçava-me. Procurava entender completamente a teoria. Em muitas cadeiras nem ia às aulas teóricas. Estudava por fotocópias de cadernos de vários colegas. Às aulas práticas não ia e nem olhava para os cadernos. Isto em Álgebra não foi boa ideia pois foi dada uma técnica só nas práticas que eu não tinha maneira de saber. Além do esforço para entender a matéria havia o esforço de decifrar os apontamentos com erros dos meus colegas. Estudava pouco tempo ao longo do ano. Passava a maior parte do tempo nos copos. Mas quando chegava a altura dos exames esforçava-me mesmo.

Acabei o curso e recebi uma medalha. Fui o aluno com melhor média no curso de matemática naquele ano. Lembro-me que entravam 145 por ano naquela altura. Quantos saiam por ano não sei. Muita gente mudava de curso. Se calhar só terminei eu, eheh.

A espiritualidade é algo diferente de tudo o resto. Mas há coisas em comum. Algumas pessoas ficam a olhar para a ponta do nariz à espera de alguma recompensa divina. Ou fecham-se num perspectiva qualquer convencidas que estão a "aprofundar" algo, seja o espiritismo, o budismo, ou outro "ismo" qualquer. Esperam retribuição, mas vão chumbar. Acredito que qualquer "ismo" pode até ajudar as pessoas a "abrirem-se", mas o que acontece na prática muitas vezes é que se "fecham".

Isto é mais difícil que fazer um curso de matemática em Coimbra, mas ainda não desisti. O esforço correcto implica um certo desconforto. Por vezes para entender algo na matemática é preciso largar uma perspectiva. Deixar de olhar daquela maneira, o que nem sempre é fácil, e causa desconforto. Mas é o esforço correcto. E quando se vê a coisa sob outro ponto de vista o problema resolve-se.

Podemos continuar a olhar para a ponta do nariz, mas de um modo criativo. Não fazer sempre a mesma coisa. Como disse o Einstein, "Insanidade é continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes".

E como somos criativos a olhar para a ponta do nariz? Como não ficamos só escondidos num cantinho? Como largamos perspectivas? Como permitimos o desconforto? Como deixamos de querer organizar a verdade? Como largamos tudo?

Há um truque qualquer. Mas é daqueles que não se podem ensinar, cada um tem que descobrir dentro de si. Ficar agarrado a ideias, a caminhos, não resulta, é mais ficar à deriva, ficar à beira da loucura. Um dia ainda descubro o truque... ou fico louco! :)

terça-feira, janeiro 29, 2013

Meditação e escolha das práticas



Descobri o Budismo pela televisão. A primeira prática Budista que encontrei na internet foi o Tonglen. Já não sei onde vi a prática descrita. Lembro de uma frase do género “inspirar o sofrimento, na forma de uma nuvem negra, transformar no coração a nuvem negra em luz branca e expirar raios de luz e compaixão”. Pratiquei isto durante algum tempo. Todos os dias chorava, umas vezes mais outras menos. Por vezes chorava à gargalhada. Depois sentia-me sereno, compassivo, bem. Um membro da família humana, da família de todos os seres, no fundo na mesma situação, todos juntos.

Nove anos depois, volto à mesma prática. Só me questiono porque não continuei com ela. Diz-se que o Buda deu 84 mil ensinamentos, cada um apropriado para quem o dirigia. A mesma prática não tem que resultar para todas as pessoas. Temos que experimentar várias.

Existem muitas maneiras de fazer Tonglen e passo a descrever como o faço. Começo por focar na perda. Digo para mim próprio que, no momento em que aqui estou sentado, existem pessoas em sofrimento extremo. Depois uso a imaginação. Posso visualizar uma mãe que chora em desespero com o filho morto por subnutrição nos braços. Aqui há que ser criativo. Aqui o que importa é escolher algo que nos toque. Em pouco tempo correm-me as lágrimas. O coração acorda. E logo vejo que, tal como aquela mãe, todos estamos sujeitos a sofrimentos extremos. Nisso somos todos iguais. Todos sofremos, neste momento. E foco na aspiração genuína em aliviar o sofrimento de todos os seres, incluindo eu próprio. Inspiro com o desejo de remover o sofrimento e expiro enviando alívio para o coração dos seres que sofrem, algumas vezes. E de algum modo karuna (compaixão) é alegria. Karuna surge e é alegria pura. Não sei bem como esta prática funciona mas sinto que me torna mais consciente da realidade, do sofrimento dos seres, e ao mesmo tempo mais feliz, mais ligado a todos (pequeno video com indicações para esta prática: tonglen).

Considero o Budismo Theravada uma excelente fonte. Parece conter ensinamentos do Buda de base, aceites por todas as escolas budistas. Há no entanto, a meu ver, um enfase excessivo no ideal monástico e no sofrimento. Parece que para ser um budista a sério é preciso ir para uma caverna na Tailândia meditar do nascer ao por do sol. Estou a exagerar, mas há realmente o perigo de se criarem metas e expectativas pouco realistas para quem vive neste mundo. E assim em vez de o budismo ajudar as pessoas a libertarem-se do sofrimento, torna-as mais infelizes.

O Zen, por outro lado, enfatiza muito a prática em tudo aquilo que fazemos. Estar onde estamos, ser quem somos, sem reservas. Sente-se uma alegria, uma iluminação em cada instante em que se está no momento presente. No entanto há todos aqueles rituais japoneses, que não fazem grande sentido por aqui. Faz-me lembrar dos tempos em que praticava karate. Não é que me incomodem, pouco me importa se baixo a cabeça ou dou apertos de mão. Eu gosto mesmo é de abraços.

O enfase na compaixão, do Budismo Tibetano, pode ser fundamental. Quer o Zen, quer o Theravada, podem deixar-nos muito na cabeça. E no fundo o que realmente importa é o modo como sentimos o mundo. Eu sou matemático, estou farto de ter confirmações de que o raciocínio deste meu cérebro, funciona muito bem. Mas isso por si só não me serve de nada. Se o coração desliga, nada funciona. A roda do dharma não roda.

Concluindo, ao contrário das ideias batidas de que temos que selecionar uma tradição ou mestre e praticar de acordo, defendo exatamente o contrário. Temos que ter a coragem de não ficarmos bitolados por uma perspetiva, ou estrutura de prática, e sermos capazes de reconhecer o valor de todas as tradições, e perceber a verdade que existe em todas as pessoas, em todos os seres, em todas as coisas.

Cada vez mais acredito numa espiritualidade humana, em círculos de meditação e partilha não centrados em deuses, heróis ou mestres, onde todos enriquecem com a prática de meditação conjunta e troca de ideias. Reconhecendo naturalmente o valor das pessoas que se dedicam exclusivamente às práticas espirituais e as vantagens do contacto com essas pessoas, defendo que, em última instância, tem que ser cada pessoa a decidir o que pratica e como pratica. Mais, temos que ser criativos nas nossas práticas, temos que experimentar e ir vendo o que funciona e o que não funciona. Mais ainda, temos que abandonar as práticas que já não funcionam e troca-las por outras. E quando funciona? Se funciona já. A meditação tem que fazer sentido em si mesma. É preciso acabar com o mito de que temos que esperar anos por resultados. Sentamos-mos sem esperar resultados e temos resultados imediatos, enquanto estamos sentados e, quando nos levantamos.

A espiritualidade é uma área diferente de todas as outras. Embora todos aprendamos uns com os outros, ninguém nos pode dizer o que fazer. Não acredito em mestres, neste sentido. Mas acredito na amizade. São os amigos que melhor podem funcionar como espelhos. Pode até ser que, tal como nós, tenham uma perspetiva fixa do que somos, mas não será certamente a mesma que a nossa. E sempre é melhor que a de um suposto mestre telepata que nos dá uns palpites sem sequer nos conhecer, e que na verdade nunca saberemos se são do dharma ou de mais um grande ego.

Removendo toda a estrutura, saindo da zona de conforto em cada momento, brincando com a mente, experimentando, deixando o caos dentro de nós. Requer coragem… Alternativa: junta-te a um rebanho e segue o pastor.

Estou muito feliz com o grupo de meditação de Aveiro. É um grupo heterogéneo, rico, bem-humorado, leve. As pessoas meditam, conversam sobre meditação e budismo, e também sobre outras coisas. E todos crescem em conjunto. Assim é fácil sentir gratidão.