sábado, outubro 14, 2006

Segunda aula

Aceitação e desprendimento, é o trabalho de casa.

Estava eu todo orgulhoso da minha atitude de aceitação das últimas semanas, e afinal é o que se aprende na segunda aula de um curso de meditação budista! Mas é bom para o ego. Quando algo atinge o ego surge a sua defesa e contra-ataque espontâneos, mas agora às vezes consigo parar, ficar o olhar para mim, não me defender, e divirto-me com a situação. Isto de observar a mente é o passatempo mais divertido e interessante que já tive! Ops, afastei-me do tema.

Aceitação, a ideia não é ficar passivo e aceitar o que nos cair em cima. Pelo contrário, é aceitar as coisas como são, notando todas os aspectos da experiência de estar vivo sem particular apego por nenhum deles, o que nos permite agir com maior discernimento e eficácia. Assim, aceitação e desprendimento estão relacionados.

Uma criança sobre, sofro por empatia com ela, não fico indiferente ao seu sofrimento, mas também não me identifico com o sofrimento da criança, não me apego a essa face de mim, mantenho-me aberto, sensível a toda a experiência, o que permite ter o distanciamento e discernimento necessário para fazer alguma coisa por ela. Estava na aula uma senhora que lida com crianças que sofrem. Ela e o Sagara, deixaram uma luz clara sobre esta ideia, esta atitude de abertura e sensibilidade, que é o desprendimento.

Acho que algumas pessoas consideram que é uma prova de grande sensibilidade ficar completamente impotente perante o sofrimento de alguém, de tanto se sofrer por empatia. E talvez venha daí a confusão entre desapego e indiferença. Acho que de certa forma, o desapego é qualquer coisa a meio, abertura e clareza, entre dois estados de cegueira.

O exemplo da fila no transito também é interessante. Não adianta muito ficar ansioso, a ansiedade não vai fazer os carros andarem ou o relógio parar. É um momento excelente para praticar a aceitação e o desprendimento. Há apego, sou apenas o querer chegar ao destino. É preciso aceitar a situação, não vou mesmo chegar já, estou aqui. E sentir o estar, notar que não tenho que ser só o querer. Estar sentado no sofá do carro também é aceitável. Há coisas para fazer, e uma oportunidade para não fazer nada, apenas estar, sentir o momento, praticar a atenção plena ou fazer Pranaymana... Estava mesmo ansioso com o que? Ah, acho que ia caminho não sei de onde... :-)

Nestas coisas, ser demasiado sério não é bom. Na verdade, o caminho do meio é sempre o melhor em tudo.

Ei, mas não é só na fila de transito que a atitude de aceitação e desprendimento é saudável! Eu acho que é sempre, em todo o instante. Permite-nos mesmo trabalhar de forma mais eficaz. Pois estando relaxado e sem desperdiçar energia em quereres inúteis, é mais simples fazer o melhor possível. E tendo feito o melhor possível podemos desapegar-nos dos frutos, como diz no yoga sutra do Patanjali, das consequências do que fizemos. Pois não podemos controlar tudo, existe a adversidade.

E enquanto ideia isto não serve de nada. Pode-se por em prática, já! Eu estou pondo, ao escrever isto, aceitando as minhas limitações de memória, e para a escrita, e tudo o mais, e sem dar demasiada importância a isto de estar para aqui a escrever num blog, e a ver mais neste momento que apenas a minha mente a produzir palavras que para aqui escrevo.

Ao ler isto podemos observar os seis sentidos. Ver, ouvir, sentir, cheirar, saborear, e observar também a mente incansável, os pensamentos e emoções que vão surgindo... Hum... e quando acabar de ler posso parar por um instante, reconheço a mim próprio o direito de fazer isso, e observo, neste momento único, os seis sentidos, a impermanência...

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