sábado, fevereiro 23, 2008

Libertar todos os seres do sofrimento




O que torna o budismo tão interessante no mundo ocidental é que não entra em conflito com o conhecimento científico, complementa-o. É o facto de o essencial no budismo ser desprovido de crenças. Existem aspectos a que se da mais ênfase numas culturas e outros noutras. No entanto o essencial faz sentido em qualquer lado. Por vezes vejo o budismo como a filosofia prática com o mínimo de pressupostos, que torna a vida com sentido. É bastante razoável aceitar que todos os seres sofrem e querem libertar-se do sofrimento. No livro "Buddhism without Beliefs", Stephen Batchelor defende que o budismo continua a fazer sentido mesmo sem as crenças que já existiam antes do Buda, nas sociedades agora budistas, como os renascimentos e coisas afins.

A observação do Buda de que aquilo que diz não é para ser aceite sem ser verificado antes, ou a do Dalai Lama que diz que se a ciência provar qualquer coisa que se oponha a um conhecimento budista então o budismo deve-se adaptar e assimilar os novos factos, são cruciais a meu ver. Note-se que, de qualquer modo, para ao menos experimentar o que diz o Buda, é preciso acreditar um pouco que talvez resulte. Para isso é preciso que me convença intelectualmente de que pode resultar ou é preciso que eu veja, olhando para ele, que com ele resulta.

Estou convencido de que um aumento da sabedoria e compaixão, no sentido budista, é favorável à minha felicidade e dos seres há minha volta. Não sei se posso beneficiar todos os seres apenas dedicando coisas ao beneficio de todos os seres. Mas acredito que se conseguir cultivar uma intenção autentica nesse sentido então talvez possa progressivamente transformar-me a mim próprio, numa pessoa mais calma, sábia e compassiva, ao lado de quem os outros se possam sentir bem. As pessoas à minha volta podem ser beneficiadas por isso. Pode-se gerar uma cadeia de eventos que beneficie muitos seres, não sei se todos.

Como é que uma pessoa se transforma? É escrevendo estas coisas num blog? Talvez também. Mas parece-me que a atenção plena durante o dia e a prática de meditação são por enquanto a melhor técnica que se conhece.

E o Prozac, que é mais rápido? Eheh. As drogas em vez de nos acordarem mergulham-nos num sonho ainda mais profundo.

Então a técnica é: observar e manter a calma. Praticar a observação na meditação sentada. E depois observar durante o dia as sensações, os pensamentos, as emoções. Procurar viver no presente em vez de mergulhado em recordações editadas ou filmes de um futuro sempre improvável. Isto sempre com moderação. Sem me julgar por não estar atento mais tempo, por não ser grande praticante. Vou fazendo o que posso, por vezes não é o melhor e noto apenas. É preciso gentileza a lidar também connosco próprios. Em caso de grande agitação emocional o melhor é não agir. Primeiro fazer pranayama, respiração abdominal. O abdómen distende e contrai, ficar só a observar isso. E depois de restablecer a calma, fazer qualquer coisa acertada.

E se quiseres criar companheiros de sangha, não tentes convence-los intelectualmente. Transforma-te que vêm ter contigo quando te virem. Não é tentando que as pessoas se tornem budistas que as podemos ajudar a libertarem-se do sofrimento...

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

O uso da palavra






No budismo diz-se que se não podemos dizer algo que seja útil a alguém então mais vale manter "nobre silencio".

E ser útil aqui tem um significado claro. Tento aceite o axioma de que todos os seres sofrem, podemos então falar com a intenção de lhes diminuir o sofrimento.

Tudo isto faz sentido, mas... quem é que se limita a falar movido apenas por esta intenção? Falamos por falar, por vezes distraídos, e por vezes dizemos coisas que fazem os outros sofrer.

Acabei há pouco tempo de ler o livro Domar o Tigre, de Akong Tulku Rimpoché. Não se consegue domar o tigre à força. Tem que ser com delicadeza, por vezes deixando-o um bocadinho livre... E às vezes faz disparates. Mas é preciso aceitar e ir fazendo pequenos progressos...

E por vezes falamos sem pensar, e falamos por falar, nós que não somos budas, despertos que a todo o instante conseguem fazer o mais apropriado para ajudar a libertar os seres do sofrimento.

Não são muito poderosos, os budas, que não conseguem despertar os outros, mas apenas indicar-lhes um caminho para que eles o percorram a custo e acabem por despertar também...

É preciso algum controle no uso da palavra. Mas também é preciso soltar a intuição, ou o tigre, ou seja o que for de vez em quando, e por vezes as palavras que saem não são movidas pelas melhores intenções. Acontece, basta notar que acontece, não me julgar. Já sei que não sou perfeito, vou apenas continuar a investigar, a notar, talvez faça pequenos progressos.

Ah... às vezes ajuda escrever... clarifica o espírito. Se calhar devia escrever estas coisas num ficheiro em vez de um blog. Oh... nada a esconder, ninguém é forçado a ler. E é sempre possível que seja útil, sabe-se lá.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

The finger pointing at the moon is not the moon

Esta celebre frase de Thich Nhat Hahn...

Mas temos sempre tendencia a ficar a olhar para o dedo.

Tenho andado a pensar que existe uma vertente mais cientifica do budismo, a que mais se ajusta a mim, e existe outro budismo, com as suas crenças. Ocorre-me sempre a ideia do Buda de não acreditar em nada sem verificar...

Mas de facto é preciso acreditar um bocadinho que talvez funcione, ao menos para por à prova. Convençam-me intelectualmente. Faz sentido? Ok, então vou testar. Senão como começaria a meditar?

Mas renascimentos, milagres, deus... Simplesmente não é o dedo que me mostra a direcção da lua. Não a mim, mas pode mostrar a muita gente.

Mas o que é mesmo preciso é esquecer o dedo, os dedos, e procurar ver para onde apontam...

Observar, observar, não julgar, não querer mudar nada, apenas notar... Faz sentido, vou continuar...

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

A vida de Buda

Há quase três anos que vi este documentário. Não sabia nada sobre budismo, nunca me interessei muito por religião. Na verdade tinha uma até certa aversão pela palavra. Significava acreditar em coisas só porque me diziam. Era o oposto da ciência. Era assim até ver este documentário. Se Budismo também é religião então a palavra quer dizer outra coisa. Uma das coisas mais apropriadas para estes tempos que o Buda disse foi qualquer coisa do género: não acredites no que ouves, mesmo que seja eu a dizer-te, experimenta, verifica se ter serve, se te servir usa, se não servir não uses.

Este documentário fez surgir o "Ah!". Desde ai não parei de ler sobre budismo. Continuo ainda hoje. Eu lia de vez em quando, mas nunca fui de ler muito, por vezes até me esforçava um bocadinho por ler. Agora sinto esta forte atracção por livros sobre budismo. Normalmente nem quero que o livro que estou a ler termine. Muitas vezes leio as mesmas coisas que estou farto de saber mas continuo a gostar de as ler...

A minha prática formal não tem sido regular. Por exemplo agora estou a fazer uma meditação de kundalini de quarenta dias. Não é muito budista. Mas mantenho a prática da atenção plena durante o dia. Às vezes distraio-me mas depois volto a notar as sensações, emoções e pensamentos a surgir, a surgir e a desaparecer.

Noto os meus erros. Olho para trás e vez erro após erro: arrogância espiritual, o estar convencido que sou aquilo que quero ser, as emoções negativas que já não encontro em mim porque não quero encontrar, etc. E os progressos: o conhecimento e a calma que progressivamente aumentam, não o conhecimento intelectual, mas aquele que vem de dentro. Aparentemente nada muda, mas a consciência das minhas virtudes e limitações é o que importa...

Aprendi como é importante ter a humildade de olhar para mim próprio como uma criança e reconhecer que não me conheço, que tenho muito a aprender, que a negatividade que vejo nos outros também existe em mim. Que posso ficar mais puro...

E também aprendi que posso sentir-me bem neste momento, a dedicar atenção a todas as pequenas coisas que faço, sem estar à espera de uma felicidade num futuro iluminado.

Descanso no equilíbrio entre o contentamento de fazer um bocadinho por mim e pelos outros e o descontentamento de não estar a fazer melhor...

Descanso na confiança de que se tudo mudar drasticamente, devo acabar por me habituar, assim como me adapto a cada mudança em cada instante...

Descanso no equilíbrio entre o sossego da vida que levo e o permitir que coisas novas entrem nesta vida...

Descanso no equilíbrio de saber que existe por um lado aquilo que posso controlar e por outro a adversidade que não se controla...

Descanso...