terça-feira, janeiro 29, 2013

Meditação e escolha das práticas



Descobri o Budismo pela televisão. A primeira prática Budista que encontrei na internet foi o Tonglen. Já não sei onde vi a prática descrita. Lembro de uma frase do género “inspirar o sofrimento, na forma de uma nuvem negra, transformar no coração a nuvem negra em luz branca e expirar raios de luz e compaixão”. Pratiquei isto durante algum tempo. Todos os dias chorava, umas vezes mais outras menos. Por vezes chorava à gargalhada. Depois sentia-me sereno, compassivo, bem. Um membro da família humana, da família de todos os seres, no fundo na mesma situação, todos juntos.

Nove anos depois, volto à mesma prática. Só me questiono porque não continuei com ela. Diz-se que o Buda deu 84 mil ensinamentos, cada um apropriado para quem o dirigia. A mesma prática não tem que resultar para todas as pessoas. Temos que experimentar várias.

Existem muitas maneiras de fazer Tonglen e passo a descrever como o faço. Começo por focar na perda. Digo para mim próprio que, no momento em que aqui estou sentado, existem pessoas em sofrimento extremo. Depois uso a imaginação. Posso visualizar uma mãe que chora em desespero com o filho morto por subnutrição nos braços. Aqui há que ser criativo. Aqui o que importa é escolher algo que nos toque. Em pouco tempo correm-me as lágrimas. O coração acorda. E logo vejo que, tal como aquela mãe, todos estamos sujeitos a sofrimentos extremos. Nisso somos todos iguais. Todos sofremos, neste momento. E foco na aspiração genuína em aliviar o sofrimento de todos os seres, incluindo eu próprio. Inspiro com o desejo de remover o sofrimento e expiro enviando alívio para o coração dos seres que sofrem, algumas vezes. E de algum modo karuna (compaixão) é alegria. Karuna surge e é alegria pura. Não sei bem como esta prática funciona mas sinto que me torna mais consciente da realidade, do sofrimento dos seres, e ao mesmo tempo mais feliz, mais ligado a todos (pequeno video com indicações para esta prática: tonglen).

Considero o Budismo Theravada uma excelente fonte. Parece conter ensinamentos do Buda de base, aceites por todas as escolas budistas. Há no entanto, a meu ver, um enfase excessivo no ideal monástico e no sofrimento. Parece que para ser um budista a sério é preciso ir para uma caverna na Tailândia meditar do nascer ao por do sol. Estou a exagerar, mas há realmente o perigo de se criarem metas e expectativas pouco realistas para quem vive neste mundo. E assim em vez de o budismo ajudar as pessoas a libertarem-se do sofrimento, torna-as mais infelizes.

O Zen, por outro lado, enfatiza muito a prática em tudo aquilo que fazemos. Estar onde estamos, ser quem somos, sem reservas. Sente-se uma alegria, uma iluminação em cada instante em que se está no momento presente. No entanto há todos aqueles rituais japoneses, que não fazem grande sentido por aqui. Faz-me lembrar dos tempos em que praticava karate. Não é que me incomodem, pouco me importa se baixo a cabeça ou dou apertos de mão. Eu gosto mesmo é de abraços.

O enfase na compaixão, do Budismo Tibetano, pode ser fundamental. Quer o Zen, quer o Theravada, podem deixar-nos muito na cabeça. E no fundo o que realmente importa é o modo como sentimos o mundo. Eu sou matemático, estou farto de ter confirmações de que o raciocínio deste meu cérebro, funciona muito bem. Mas isso por si só não me serve de nada. Se o coração desliga, nada funciona. A roda do dharma não roda.

Concluindo, ao contrário das ideias batidas de que temos que selecionar uma tradição ou mestre e praticar de acordo, defendo exatamente o contrário. Temos que ter a coragem de não ficarmos bitolados por uma perspetiva, ou estrutura de prática, e sermos capazes de reconhecer o valor de todas as tradições, e perceber a verdade que existe em todas as pessoas, em todos os seres, em todas as coisas.

Cada vez mais acredito numa espiritualidade humana, em círculos de meditação e partilha não centrados em deuses, heróis ou mestres, onde todos enriquecem com a prática de meditação conjunta e troca de ideias. Reconhecendo naturalmente o valor das pessoas que se dedicam exclusivamente às práticas espirituais e as vantagens do contacto com essas pessoas, defendo que, em última instância, tem que ser cada pessoa a decidir o que pratica e como pratica. Mais, temos que ser criativos nas nossas práticas, temos que experimentar e ir vendo o que funciona e o que não funciona. Mais ainda, temos que abandonar as práticas que já não funcionam e troca-las por outras. E quando funciona? Se funciona já. A meditação tem que fazer sentido em si mesma. É preciso acabar com o mito de que temos que esperar anos por resultados. Sentamos-mos sem esperar resultados e temos resultados imediatos, enquanto estamos sentados e, quando nos levantamos.

A espiritualidade é uma área diferente de todas as outras. Embora todos aprendamos uns com os outros, ninguém nos pode dizer o que fazer. Não acredito em mestres, neste sentido. Mas acredito na amizade. São os amigos que melhor podem funcionar como espelhos. Pode até ser que, tal como nós, tenham uma perspetiva fixa do que somos, mas não será certamente a mesma que a nossa. E sempre é melhor que a de um suposto mestre telepata que nos dá uns palpites sem sequer nos conhecer, e que na verdade nunca saberemos se são do dharma ou de mais um grande ego.

Removendo toda a estrutura, saindo da zona de conforto em cada momento, brincando com a mente, experimentando, deixando o caos dentro de nós. Requer coragem… Alternativa: junta-te a um rebanho e segue o pastor.

Estou muito feliz com o grupo de meditação de Aveiro. É um grupo heterogéneo, rico, bem-humorado, leve. As pessoas meditam, conversam sobre meditação e budismo, e também sobre outras coisas. E todos crescem em conjunto. Assim é fácil sentir gratidão.