Agora parece-me tudo tão claro. Enquanto as coisas forem vistas desta forma a insatisfação fundamental vai sempre existir. O problema é as coisas aparecerem permanecerem e depois desaparecerem. A solução é ver que não permanecem, que é tudo apenas um fluxo.
Podemos procurar esquecer esta insatisfação de fundo, consequência de ver tudo a morrer à nossa volta, de irmos também morrer, e nada parecer ter sentido. Para isso é preciso arranjar muitas distracções, fazer muitas coisas para não pensar muito. E ir vivendo pequenos prazeres, cultivando os apegos. E vejo toda a gente à minha volta a seguir este caminho, a agarrar-se a coisas, a distracções, a tentar fazer muitas coisas, convencidos de que é a solução, de que é "aproveitar a vida", todos a fugir de si próprios, desesperadamente, tudo em vão... Esta solução não me satisfaz, definitivamente. Sei que a insatisfação se vai sempre manter. No entanto por vezes desperdiço tanta energia a alimentar ilusões, que agora vejo claramente só me afastarem do essencial: a realidade, dura e crua. Não quero voltar a fugir.
Outra hipótese é adoptar um sistema de crenças, uma religião qualquer que nos permita explicar tudo, e tudo fica com sentido. Isto para mim também não dá, ia sempre ter dúvidas e a insatisfação persistiria.
O budismo é qualquer coisa a meio. Não se evita o problema mas também não há crenças. A ideia é precisamente deixar as crenças, os apegos, soltar todas as falsas seguranças e ver e aceitar as coisas tal como são. Acabar com o "querer que sejam de outra forma". Esta é a raiz do sofrimento, e vendo o Todo, sendo uno com o Todo, o sofrimento desaparece.
Pronto, só há mudança, mais nada, é claro que nada permanece, e não há "eu" nenhum, é tudo uma ilusão. Há um fluxo, apenas. E agora? O problema é que a compreensão disto não basta. Não adianta repetir muitas vezes que as coisas de facto são assim. É preciso despertar, Ver, ou melhor Ser. Talvez um dia venha a ser claro que "os quereres" não são nada, e que os filmes mentais são menos interessantes que este momento, e venha a ser possível estar, em pleno, no momento presente. Na verdade sei que é possível andar neste sentido, e isso para mim basta.
Mas é preciso impregnar o ser com este conhecimento, gerar sabedoria, treinar a mente, meditar. Experimentar a impermanência, no corpo, na mente, no dia a dia... E ficar cada vez mais sensível, cada vez mais desperto. Investigar, e paralelamente à sabedoria cultivar o amor/compaixão, afinal todos os seres têm o mesmo problema, e vai tudo no mesmo sentido. É preciso ir removendo tudo aquilo que nos tapa os olhos.
E se houver mesmo muitas vidas qual é a pressa? :-) Pouco importa se há ou não muitas vidas. O que é facto é que existe um sentido de urgência, um desejo de despertar. Não é útil fazer perguntas sobre a flecha, é preciso remove-la. Na verdade não sabemos grande coisa. E no budismo não se procura explicar tudo. Há um problema concreto, esta insatisfação, o meu sofrimento, o de todos os seres. Há uma intuição de que é possível viver em verdade, deixar as crenças e apegos, soltar tudo, aceitar as coisas tal como são, despertar, acabando finalmente com o sofrimento.
Entretanto, o melhor a fazer é continuar alegremente com a "prática do agora", para o beneficio de todos os seres. Esta frase soa mesmo bem! :-)
quinta-feira, novembro 16, 2006
segunda-feira, novembro 13, 2006
Dhyanas
Faz hoje uma semana que me aconteceu a coisa mais extraordinária de sempre. Estava a passar por um profundo desgosto. Li um pouco de um livro sobre budismo Zen. Uns momentos depois o meu estado de consciência mudou. Estava muito relaxado, todo o querer desapareceu e fiquei num estado de aceitação total. Os sentidos ficaram como que amplificados. Como se o contraste fosse realçado. Comecei a ouvir todos os sons, os pequenos desconfortos mostraram-se, a consciência corporal aumentou, senti uma pequena dor no pescoço que já lá estava. Havia um profundo contentamento. O reconhecimento de que tudo o que existe é o momento presente, aquilo que está realmente a acontecer tornou-se muito mais interessante que os usuais filmes mentais. Os pensamentos começaram a surgir um a um. E era um aparece solta, aparece solta, muito claro. Um deles era "isto está mesmo a acontecer" meio questão, meio afirmação. E outro "nunca vou conseguir explicar isto a ninguém". Também os usuais pensamentos recorrentes apareceram, mas não ficaram, vi-os claramente como ilusões, criadas pela mente para me afastar da realidade, do momento presente, que é única coisa que existe. E surge esta frase plena de significado "é preciso querer Ver, mas para ver Ver não se pode querer".
Foi como se uma película que turva a percepção tivesse sido removida, pela primeira vez. E parecia ver as coisas pela primeira vez. Como se nunca as tivesse notado. O estado era caracterizado pelo soltar, a atenção dirigia-se claramente a cada objecto, visual, auditivo, táctil, mental, para logo depois o soltar. E tudo era observado. Acho que isto pode ser comparado ao que acontece sob o efeito de álcool. Quando se bebe o estado de consciência muda, fica mais obscurecido. Foi como que ao contrário, como se tivesse andado com os copos a vida toda, e agora finalmente, tivesse ficado sóbrio por algum tempo.
Agora sei qual é a diferença entre compreender e Ver. Entendo que mesmo o Dharma é para ser soltado. Vejo claramente que é possível apenas estar, ser só presença, desperta. Viver mesmo o presente ganhou para mim outro significado. O budismo só interessa mesmo para isto. São indicações de quem despertou para nos ajudar a despertar. E despertar não é mais que ver para além do querer, é ver directamente, e não através de conceptualizações inclusive budistas. Claro que provavelmente o que acabei de escrever não faz nenhum sentido para muita gente. Talvez faça para algumas pessoas, para mim faz.
Falei com pessoas esclarecidas sobre isto e parece que é uma coisa natural. Estando num estado de maior receptividade é natural que se tivessem criado condições para isto acontecer. Este estado é aparentemente um estado de absorção chamado "primeiro Dhyana". Estados assim podem ser induzidos. Em retiros prolongados podem-se conseguir induzir intencionalmente. Eu não faço a miníma ideia de como repetir a "experiência".
Note-se que não estou a falar de uma coisa tipo "ah, hoje estou um bocadinho mais claro". Eu não sou muito dado a eventos extraordinários e experiências místicas. Mas isto é mesmo extraordinário e não há qualquer dúvida quando acontece.
Estive depois a ler sobre Dhyanas e parece que existem oito, sendo este o mais básico. E há pessoas que conseguem "entrar" em cada um intencionalmente, permanecer o tempo que querem e sair quando querem.
Decididamente, vou continuar a meditar e a participar em retiros.
Foi como se uma película que turva a percepção tivesse sido removida, pela primeira vez. E parecia ver as coisas pela primeira vez. Como se nunca as tivesse notado. O estado era caracterizado pelo soltar, a atenção dirigia-se claramente a cada objecto, visual, auditivo, táctil, mental, para logo depois o soltar. E tudo era observado. Acho que isto pode ser comparado ao que acontece sob o efeito de álcool. Quando se bebe o estado de consciência muda, fica mais obscurecido. Foi como que ao contrário, como se tivesse andado com os copos a vida toda, e agora finalmente, tivesse ficado sóbrio por algum tempo.
Agora sei qual é a diferença entre compreender e Ver. Entendo que mesmo o Dharma é para ser soltado. Vejo claramente que é possível apenas estar, ser só presença, desperta. Viver mesmo o presente ganhou para mim outro significado. O budismo só interessa mesmo para isto. São indicações de quem despertou para nos ajudar a despertar. E despertar não é mais que ver para além do querer, é ver directamente, e não através de conceptualizações inclusive budistas. Claro que provavelmente o que acabei de escrever não faz nenhum sentido para muita gente. Talvez faça para algumas pessoas, para mim faz.
Falei com pessoas esclarecidas sobre isto e parece que é uma coisa natural. Estando num estado de maior receptividade é natural que se tivessem criado condições para isto acontecer. Este estado é aparentemente um estado de absorção chamado "primeiro Dhyana". Estados assim podem ser induzidos. Em retiros prolongados podem-se conseguir induzir intencionalmente. Eu não faço a miníma ideia de como repetir a "experiência".
Note-se que não estou a falar de uma coisa tipo "ah, hoje estou um bocadinho mais claro". Eu não sou muito dado a eventos extraordinários e experiências místicas. Mas isto é mesmo extraordinário e não há qualquer dúvida quando acontece.
Estive depois a ler sobre Dhyanas e parece que existem oito, sendo este o mais básico. E há pessoas que conseguem "entrar" em cada um intencionalmente, permanecer o tempo que querem e sair quando querem.
Decididamente, vou continuar a meditar e a participar em retiros.
domingo, novembro 05, 2006
Completamente pedido
Agora nada mais faz sentido. O que sou afinal? O que quero? Digo a mim próprio o que sou, o que quero, mas não acredito no que digo. Já não distingo o que sou do que quero ser. Já não sei em que parte do caminho me encontro, oscilo entre a meta a alcançar e um ponto que passou, mas não sei em que ponto me encontro, nem que caminho estou a seguir. Não sinto nada, e depois sinto tanto e depois nada. Onde estão as minhas ilusões preferidas? A realidade é insuportável! Preciso desesperadamente de uma nova ilusão para me agarrar. Estou completamente perdido...
sexta-feira, novembro 03, 2006
O fundo do vale
Às vezes descemos tão fundo que parece que não vamos voltar a subir... mas não é assim, depois vem a colina, vem sempre a colina, e começamos de novo a subir, alguma vez não foi assim?
Reflectir e meditar na impermanencia dá muito jeito nestas alturas... tudo muda, é só uma questão de tempo... melhores tempos virão... a colina vai aparecer...
É só ficar sentado, observar o momento presente... sentir o corpo, observar os pensamentos... sem agarrar ou alimentar nenhum deles...
Reflectir e meditar na impermanencia dá muito jeito nestas alturas... tudo muda, é só uma questão de tempo... melhores tempos virão... a colina vai aparecer...
É só ficar sentado, observar o momento presente... sentir o corpo, observar os pensamentos... sem agarrar ou alimentar nenhum deles...
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