Há uns tempos parava quase imediatamente de ler quando uma destas palavras aparecia. Religião era acreditar sem prova e Deus uma crença um bocado incómoda que as pessoas costumam meter pelo meio de raciocínios para explicar coisas que não conseguem explicar de outra forma.
Nunca dei grande importância a religiões, embora talvez em certa altura tenha metido Deus nos raciocínios como as pessoas à minha volta, quando era miúdo. Mas agora o ensinamento de Buda, se lhe chamamos religião, torna a palavra totalmente diferente. Ele dizia que não devemos acreditar no que nos dizem, nem nele próprio, o que devemos é experimentar e verificar. Usar o que nos parecer útil e deixar o que não nos serve. Ensina uma psicologia de auto-conhecimento, adaptando sempre os ensinamentos à pessoa a que está a ensinar, de modo a ela poder por si própria seguir as suas sugestões no caminho da auto-descoberta.
E o que há afinal para descobrir? Tanta coisa. Primeiro que a mente nos faz andar entre passado e futuro como se nunca estivéssemos a viver este momento. Depois que é possível ficar no presente a observar o funcionamento dos seis sentidos (a mente racional com o seu arquivo de memórias é o sexto). E ficar a ver, as sensações, percepções, emoções, pensamentos, aparecem, ficam um pouco, e depois desaparecem. E parece que é ai que estou realmente vivo, quando testemunho a vida, em mim próprio. E a impermanência, por instantes... e a consciência de que todas as outras pessoas estão no mesmo barco, são como eu, adormecidas, por acordar, talvez algumas possam seguir um caminho semelhante, outras talvez não, mas a situação é semelhante. E aqui surge a empatia, a compaixão, é natural. Todos parte de um todo, a funcionar da mesma forma, aparece, desaparece, aparece, desaparece... apego a quê? É tudo como as ondas do mar...
E "Deus"? Também já me parece bem. Embora para mim o mais natural seja "nem deus nem almas", entendo Deus de várias maneiras. Como um estado mental totalmente puro, como a natureza, mas como um ser que me protege não gosto, desresponsabiliza-me, mas entendo que haja pessoas que prefiram pensar assim, e quem sabe se até há mesmo um Deus. Para mim é indiferente, acho que o ensinamento de Buda é prático e permite-nos lidar com as coisas tal como são, não importa muito de onde surgiram.
Mas é pena que estas palavras tenham ficado tão manchadas. Inquisição, pecado, culpa... é pena. Fui uma vez a uma aula de religião e moral e mostraram uns slides do inferno... Que religião a nossa, que progresso o nosso... continua-se a tratar apenas de criar condições materiais para que se viva bem. E as pessoas continuam a alimentar negatividade, invejas, ódios, vaidade, agressividade, competitividade, e continuam a haver guerras e infelicidade...