sexta-feira, abril 27, 2007

Onde está o muro?

Esta vida é tão estranha... uma pessoa fica tão empenhada em partir o muro, pedra por pedra e ele desaparece, subitamente... é como se ao ficar completamente determinado em combater a negatividade descobrisse que não há nada a combater...

Não é a primeira vez que sinto que mesmo no fundo do poço existe um atalho para sair para fora.

Agora sinto-me solto, como que inundado por uma profunda aceitação. Estou aqui, está tudo bem... o passado já não existe e no futuro, vai ser outra vez "estou aqui, está tudo bem", quando chegar trato dele, agora não importa, também não existe... Podem-se repetir estas coisas sem que signifiquem nada... agora está pleno de significado. Para quem le é igual. Mas quando eu voltar a ler, num momento menos bom, talvez o significado ainda aqui esteja também...

Pranayama


Por vezes esqueço-me disto mas as técnicas de controle de respiração do yoga são para mim a forma mais rápida de alterar o estado de humor.

Há alturas em que uma pessoa esquece todas as técnicas. Em que simplesmente não é possível meditar. É nessas alturas que uma simples "respiração quadrada" pode ser decisiva.

Em caso de grande stress, por exemplo, até se pode fazer enquanto se faz outra coisa qualquer e tem um efeito calmante tão rápido. Duvido que qualquer ansiolitico bata isto. Basta formar um quadrado com a respiração. Contar até 10 quando se inspira, até 10 na retenção com os pulmões cheios, até 10 ao expirar e até 10 na retenção com os pulmões vazios. O número 10 é um exemplo, o importante é usar o mesmo tempo em cada uma das quatro fases. O tempo deve ser o maior possível sem ficar roxo. Tou a brincar, não deve haver muito desconforto mas deve ser longo o suficiente para desacelerar tudo. E o exercício dura o tempo que nos apetecer, é tão simples e eficaz...

Na meditação budista a ideia é observar a respiração sem a controlar. Mas eu acho que antes de iniciar a meditação por vezes é muito útil fazer um pranayama relaxante ou energizante mais prolongado.

quinta-feira, abril 26, 2007

Amar sem apego

Eu acho que não é possível amar sem apego. Talvez um ser iluminado possa fazer isso. Nós temos que nos limitar a aceitar as nossas limitações e ir melhorando um pouco.

Quando existe uma paixão forte existe muito apego. Um sentimento de posse, qualquer coisa animal. Algo que nos faz sentir auto-centrados, egoístas. Algo difícil de aceitar. Parece contraditório, por um lado queremos o bem da pessoa que amamos, mas por outro só nos preocupamos connosco próprios, queremos a pessoa para nós. No entanto, para nós seres pouco iluminados, o mais natural quando se está com alguém é existir um misto de amor e paixão. Eu sinto que na paixão há muito de sexual. Como se só com amor não existisse a "agressividade" que é precisa para o sexo. Por isso, o melhor é aceitar as emoções negativas que vêem com a paixão. Antes isso que um amor assexuado :-). Enfrenta-las e sofre-las, até que passem. Não as evitar, destrui-las progressivamente... Se não surgissem nunca as poderíamos enfrentar!

Estou a ler um livro do Carl Rogers, um psicoterapeuta algo controverso, ao que parece. Com base na sua experiência de psicoterapeuta, ele diz no fundo da natureza humana, o que existe é um querer estar bem e ser social. Isto contraria as ideias cristãs e do Freud, tão impregnadas, de que somos essencialmente animais violentos e que temos que nos manter controlados. Por isso, todas as emoções negativas associadas ao amor romântico, não são o mais profundo que em nós existe. Fazem parte do caminho, que estamos fartos de saber que por vezes é difícil de percorrer. É preciso aceitar as dificuldades, não fugir do sofrimento e ir eliminando a negatividade em vez de a contornar.

Eu acho que qualquer situação exterior que desperte negatividade e nos permita diminuir o apego, purificando o amor, não deve ser evitada. Pelo contrário, deve ser sofrida e vista como uma oportunidade para crescer.

Isto faz-me lembrar uma ideia que gostei muito da amiga budi Isabel: devemos ver os obstáculos como se fossem muros e, em vez de contornar o muro, devemos antes derruba-lo, pedra por pedra.

sexta-feira, abril 13, 2007

Amor e apego

Não concordo com o que escrevi sobre apego. Se o apego é um "querer para mim" qual é um interesse em cultivar apegos? O sentimento que se tem por uma pessoa querida é sempre um misto de amor e apego. É importante aceitar que existe apego, pois essa é a realidade. No entanto, so o objectivo último é ser feliz, o que se deve fazer é cultivar o amor e não alimentar o apego. No amor os interesses coincidem, eu quero que fiques bem, tudo queres ficar bem.

Isto é muito fácil de dizer, e até de fazer, caso se viva num ambiente meditativo protegido em que não nos expomos muito. Mas e quando se é atingido por uma paixão fulminante que nos cega? Já não é tão simples. Ai cada um tem que encontrar o seu caminho.

Quando a pessoa que adoramos está em perigo, e imaginamos a possibilidade de algo de mau lhe acontecer... adeus apego, adeus querer para mim, agora importa mesmo é que esteja bem, o sentimento transforma-se em amor, saio do quadro, já não importo para nada, fica bem, fica bem, fica onde estiveres, mas por favor... fica bem...

Cultivar algo em que acreditamos, seja uma amizade, um relacionamento amoroso, ou qualquer outra coisa boa, não significa querer que permaneça, não tem que ser cultivar um apego, pode ser querer fluir e crescer por um determinado caminho...

Sinto-me mais solto, mais claro e orientado, novamente...

quarta-feira, abril 04, 2007

Meditação e condições adversas

Às vezes sinto que de certa forma me encontro numa espécie de retiro há já mais de dois anos. Desliguei a televisão e o radio e nunca mais liguei. Raramente olho para as páginas de jornais na net. Desde ai que faço yoga e leio muito sobre budismo, mas só comecei a meditar regularmente há uns meses.

Neste momento estou numa situação relativamente difícil. E acho que é nestas situações que esta "prática espiritual" se revela muito útil. Não sei evita o sofrimento. Por vezes não consigo interpretar favoravelmente as condições exteriores e sofro. No entanto, é a recuperação das situações difíceis que me parece mais rápida e sólida. O que se passa comigo? Condições materiais não me faltam, tenho tudo o que preciso, não quero mais nada. Bom, passei a semana passada em Portugal. Foi uma semana que vive em êxtase, num paraíso com um serzinho lindo, que adoro, semana em que não meditei... Agora voltei para a Inglaterra e estou aqui sozinho num lugar em que claramente não quero estar. A Universidade está deserta por causa das férias, o trabalho tem corrido bem mas tenho trabalhado sozinho, podia estar em qualquer lado. Estou completamente entregue a mim próprio... É o terceiro dia que aqui estou. No primeiro tinha toda a espécie de emoções negativas recorrentes e inseguranças, no segundo livrei-me de algumas e hoje já estou a aprender a estar aqui de outro modo. Agora já vejo isto como uma oportunidade. Não vai haver mais saídas todas as noites, vou poder usar todo este tempo em que estou sozinho para trabalhar e praticar yoga e meditação e reforçar a minha "energia espiritual", ou seja, preparar-me melhor para a vida, o que inclui eventuais novas situações adversas que vão sempre surgir. Sei que não vou deixar de "querer voltar" mas agora posso ao mesmo tempo "estar" aqui e aproveitar. Mas é interessante como ha dois dias tudo o que aprendi pareceu totalmente inútil. Eu sei que não são as condições exteriores que determinam o nosso nível de felicidade mas apesar disso não consegui alterar a minha reposta imediatamente e vivi em ansiedade. No entanto só passaram três dias e já está tudo a ganhar sentido, uma orientação sólida novamente.

Claro que também ajudou conversar com amigos que lá ficaram. Esta palestra do Matthieu, que aconselho, também me fez bem: Change your Mind Change your Brain: The Inner Conditions for Authentic Happiness

Não é a primeira vez que sinto que a prática de meditação me permite sair mais facilmente de situações difíceis. Não tenho qualquer dúvida de nos torna mais felizes e nos prepara para vida. Não é remédio santo como é obvio, mas ajuda mesmo muito...

terça-feira, abril 03, 2007

Impermanência, amor, apego e relacionamentos

Tudo muda, nada permanece, só existe mudança. Isto aplica-se a muitos níveis e também aos relacionamentos. Eu acho que ninguém gosta de saltar de relacionamento em relacionamento durante muito tempo. Existe todo o entusiasmo e estimulo da novidade quando se conhece uma pessoa, quando se descobre uma nova paixão, mas só isto não é satisfatório. No fundo acho que procuramos todos uma relação que dure, que se aprofunde, que gere uma cumplicidade forte, procuramos um companheiro para a vida. E surge naturalmente um forte apego. Não queremos perder a pessoa com quem estamos. E de certo modo cultivamos este apego pois queremos que a relação dure. Do ponto de vista budista, o apego é causa do sofrimento. Suponho que o Buda não tinha namorada, ou então andava sempre a mudar. :-)


Acho que se pode progressivamente reduzir o apego e purificar o amor. No entanto aquela pessoa continua a ser especial, continua a ser a nossa companheira. Queremos aquela e não outra. Parece haver uma contradição aqui. É igual com os amigos. Recordo a história de um companheiro do Buda "espiritualmente avançado" que chora a morte de alguém e diz que tinha apego ao corpo da pessoa... Mas afinal queremos amor sem apego mas com umas excepções?

Acho que é tudo uma questão de seguir o caminho do meio. Não sou um Buda, tenho apegos, até cultivo apegos... No fundo temos que reconhecer as nossas limitações, conhecer-nos. Existe algum apego por quem nos está próximo mas podemos na mesma cultivar o amor por todos os seres...

Talvez um dos segredos para que um relacionamento dure seja aceitar a impermanência. As coisas não são iguais agora e ao fim de algum tempo. De facto mudam em cada instante. O que se descobre nos primeiros dias não se vai descobrir nos dias seguintes. Depois descobrem-se outras coisas. O relacionamento não vai ser igual, vai tudo mudando, a intensidade das primeiras descobertas não se pode repetir, pois não existem de novo as primeiras descobertas. No entanto é possível continuarmos a ficar cada vez mais próximos, criar em cada instante uma união cada vez mais plena na descoberta dos mistérios desta vida... é preciso estar desperto, aceitar que as coisas mudam e não desistir à mínima adversidade... é preciso acreditar... acreditar no amor... Eu acredito! :-)