domingo, julho 30, 2006

Andanças

Chega de relaxamentos nas tempestades do oceano, agora é um retiro na confusão do andanças. Estive lá três dias o ano passado, gostei, desta vez fico a semana toda.

Adeus mar, adeus blogs, devo voltar. Isto do mar e dos blogs será apego?


Um bikkhu não se apega a nada deste mundo!

:-)

sábado, julho 29, 2006

Nadar no mar

E já lá estive hoje outra vez.

É engraçado como nadar no mar pode ser uma experiência serena, relaxante, quase meditativa. Apesar da água gelada, das ondas fortes, dos surfistas para contornar, do nevoeiro serrado, das bandeiras vermelhas... Parece que os nadadores já me conhecem e ignoram, o que é bom... a não ser que venha a precisar da ajuda deles por algum motivo.

Não há desconforto. Ou talvez haja, mas não me afecta. Acho que existe uma palavra em sanscrito ou pali para descrever esta atitude. A mente prevalece, o sofrimento físico não tem força. Claro que só a até certo ponto.

Em vez de nos queixarmos ao mínimo desconforto, podemos sempre usar esta atitude. Não me lembro da palavra, é qualquer coisa do yoga, mas acho que a ideia é não nos indentificarmos com o sofrimento físico. Não exige esforço mas abertura, é só observar mais coisas...

Jigmé Khyentse Rinpoché



Talvez nunca vá memorizar este nome, mas vai ser difícil esquecer a experiência de estar sentado perto dele a ouvir.

Começa por dizer que não é um mestre realizado e que nem é muito erudito. E depois conta as quatro nobre verdades como se fossem uma história, a história da nossa vida. Acompanha as ideias com exemplos adequados e divertidos. Na verdade o mais interessante não é o que disse mas sim o modo como o disse.

Sentado sem qualquer pressa, como se não tivesse chegado e nem fosse embora. Com um pequeno portátil no colo, cantarola uns mantras baixinho. Com a sala muito cheia, tive que me sentar à frente, perto do senhor monge. Pega no microfone, sem apego ou indiferença. Começa a falar, num inglês perfeito, claro, pausado. Fiquei surpreendido, como se não esperasse aquilo, vindo do Tibete devia haver alguma coisa estranha. Mas não, pelo contrário, sem quaisquer pretensões, a tranquilidade é autentica, vê-se, parecia muito familiar. Adequa claramente o que tem a dizer a quem está a ouvir, como faria o Buda. Conta as quatro nobres verdades como uma perspectiva, dizendo várias vezes "deste ponto de vista". É uma forma de vermos as coisas, nada mais.

As quatro nobres verdades: a existência do sofrimento, a causa do sofrimento, o caminho para a libertação do sofrimento, e a cessação. Descreve o estado iluminado, como sendo um estado em que não há sofrimento mental nem causas do sofrimento. É fácil ver que se pode reduzir o sofrimento e as suas causas, e talvez consigamos imaginar que desaparecem, e a mente fica totalmente livre. E para caminhar neste sentido é preciso treinar a mente, meditando.

Alguns exemplos: Quando alguém nos dirige palavras menos boas, podemos vê-las como uma flecha que fica cravada no coração. Em vez de retirarmos a flecha, pegamos nela e começamos a abrir um buraco no coração, em várias direcções. Exemplifica a ignorância, o não sabermos como lidar com as situações e o apego a falsas soluções como a reacção de cólera que nada resolve. Se alguém nos rouba o lugar do estacionamento ficamos zangados, além de ficarmos sem lugar ainda nos consegue roubar espaço na mente. Seria melhor sermos bondosos mesmo após perder o lugar. Outro exemplo de apego: alguém que quando tem sede, bebe coca-cola. Bebendo muita coca-cola não se fica sem sede, seria melhor beber água. Mas por vezes é difícil acabar com o apego, da ignorância resulta o apego, o apego a falsas soluções para os problemas. E o exemplo do futebol. O jogador italiano diz ao frances: vai para a rua, e o frances responde: está bem, eu vou. O italiano soube escolher as palavras certas para produzir o efeito desejado no frances.

Gostava de escrever tudo aqui para não me esquecer... mas não me lembro da perfeita sequência de palavras e não vou tentar. Ficam alguns exemplos, uma pequena brisa da imagem em vez de toda a experiência, que seria impossível transformar em letras.

E depois das quatro nobres verdades terminou, e o Paulo Borges, repete em português as palavras do mestre, com uma precisão inacreditável. Mas após terminar ainda dá uma sugestão:

Não interessa nada dizer que se é budista. O importante é desenvolver um bom coração. Ser bondoso não é algo que temos que fazer ou devemos fazer por razões morais. É agradável ser bondoso.
Pela manhã ao acordar observa, vê se te sentes bondoso. E pensa numa pessoa de que gostas, imagina a sua cara... se for bom, se for agradável, se te sentires feliz, continua... Agora pensa que tens o mesmo sentimento por todos os seres... imagina... Não vai haver tempo para fazer outra coisa senão ser feliz...

Não consigo exprimir o que vinha com as palavras... não é possível... mas tocou-me tão a fundo... meditar e desenvolver um bom coração, é "só" isso... Posted by Picasa

terça-feira, julho 25, 2006

Desejo

No momento em que satisfazemos um desejo há uns instantes de verdadeira satisfação. Depois de comer, depois de beber, depois de urinar, depois de um orgasmo. Em que consiste? Na ausência de desejo! Depois surge outro desejo... e insatisfação... e o ciclo continua... o próprio ciclo é sofrimento...

E procuramos repetir satisfações momentâneas que já conhecemos e criamos desejáveis objectos ilusorios que ainda não conhecemos, somos como fantoches que giram em ciclos movidos pela ânsia, sem sossego, sem paz, uma tristeza de fundo... E diz-se que a vida é assim, não adianta lutar contra a natureza, são os desejos que nos movem, que nos permitem continuar...

E que desejos? Os que nos fazem correr em ciclos à procura de satisfações momentâneas e nos retiram a tranquilidade... ou o desejo de tranquilidade, de enfraquecer o ciclo dos desejos geradores de sofrimento...

A ideia é interessante: "verdadeira alegria existe nos instantes em que não há desejo"...

segunda-feira, julho 24, 2006

Renascimentos

Já tinha usado a expressão "budismo sem renascimentos" e já me tinha ocorrido que talvez os renascimentos não fossem essenciais no budismo pois no tempo do Buda havia a reencarnação, e naturalmente integra-se qualquer coisa... Mas não sei grande coisa e por vezes parece que os renascimentos são de algum modo essenciais para a consistência da lei da causalidade.

Pergunto "uma constante no ensinamento de Buda é que não é suposto acreditar mas verificar, experimentar, no entanto não vejo maneira de verificar se há renascimentos, não me lembro de vidas anteriores..." A resposta "é uma boa questão, é verdade, o ensinamento é não dogmático, alguns autores dizem que os renascimentos podem vir do hinduísmo vigente no tempo de Buda, e não são essenciais no budismo...", deu-me algum alívio.

Agrada-me a delegação do porto da união budista, devo ir lá mais vezes. Tenho lido tanto sobre o assunto e é bom ouvir falar alguém sobre isso. Não me importo muito se aplico ou não o rótulo "budista" a mim próprio. Mas não estou minimamente interessado em rituais ou votos. Já verifiquei algumas técnicas, resultam, são-me úteis. Várias fontes, cada um bebe mais da que quer, esta é a que mais me agrada, a mais natural para mim, é só isso...

quinta-feira, julho 20, 2006

Observar

Vagueando pelo passado, fazendo planos para o futuro, mergulhado numa profunda inconsciência, fantasias, ilusões, especulações, vivo a dormir. Não tem que ser assim...

Observar, como um cientista, os seis sentidos, todos eles. Os cinco sentidos a os respectivos estímulos, não só a sempre dominante visão... corpo, ouvidos, boca, nariz, os estímulos externos... e a mente, que vai por si só retirando os conteúdos do seu arquivo de memórias no subconsciente. E aparecem pensamentos e emoções, e depois desaparecem, não há um "eu" que decide faze-los aparecer... Observar apenas como todas as coisas vêm e vão... sem apego, atento, relaxado, desperto, vigilante, mas sem julgar, neutro... E quem é que observa? Ninguém controla nada disto, sucedem-se estímulos, pensamentos, emoções. Aparecem, ficam um pouco, e depois desaparecem. Quem controla esta sucessão? Quem testemunha? Não se pode encontrar o observador... não existe. Não há nada de que se possa dizer "isto sou eu". Mas existe a observação do momento presente, das coisas como são, sempre em mudança... E a sensação de liberdade, de deixar ser, soltar, observar o fluxo e sorrir, descansado. Continua a fluir, a sucessão continua, olho para lá... Mas quem olha? É só outro pensamento...

Bom, vou observar pra praia!

Blogs

Gosto de blogs! Uma forma de comunicação, de partilha entre amigos, muito interessante. Não é só neutro, é bom. Mas agora é melhor ir pra praia...

terça-feira, julho 18, 2006

Introspecção e televisão

As pessoas olham para o mundo inteiro pela televisão, interessam-se por politica, pelos conflitos entre nações, pelos mortos nas guerras. E onde estão as causas de tudo isto? No interior das pessoas, de cada pessoa. E ajuda olhar para dentro de mim próprio? Será que ajuda mais ver o sangue na televisão? Não consigo, olhando para a televisão, retirar as pessoas da frente das balas. Só me adiciono à multidão de espectadores da carnificina, é como na Roma antiga. Às vezes olho para as televisões nos cafés...

Num mundo em que as pessoas fazem introspecção, procuram melhorar como pessoas, surge o Buda. Nos Estados Unidos surge o Bush. Moral da história: mais introspecção, menos televisão! :-)

Religião e Deus

Há uns tempos parava quase imediatamente de ler quando uma destas palavras aparecia. Religião era acreditar sem prova e Deus uma crença um bocado incómoda que as pessoas costumam meter pelo meio de raciocínios para explicar coisas que não conseguem explicar de outra forma.

Nunca dei grande importância a religiões, embora talvez em certa altura tenha metido Deus nos raciocínios como as pessoas à minha volta, quando era miúdo. Mas agora o ensinamento de Buda, se lhe chamamos religião, torna a palavra totalmente diferente. Ele dizia que não devemos acreditar no que nos dizem, nem nele próprio, o que devemos é experimentar e verificar. Usar o que nos parecer útil e deixar o que não nos serve. Ensina uma psicologia de auto-conhecimento, adaptando sempre os ensinamentos à pessoa a que está a ensinar, de modo a ela poder por si própria seguir as suas sugestões no caminho da auto-descoberta.

E o que há afinal para descobrir? Tanta coisa. Primeiro que a mente nos faz andar entre passado e futuro como se nunca estivéssemos a viver este momento. Depois que é possível ficar no presente a observar o funcionamento dos seis sentidos (a mente racional com o seu arquivo de memórias é o sexto). E ficar a ver, as sensações, percepções, emoções, pensamentos, aparecem, ficam um pouco, e depois desaparecem. E parece que é ai que estou realmente vivo, quando testemunho a vida, em mim próprio. E a impermanência, por instantes... e a consciência de que todas as outras pessoas estão no mesmo barco, são como eu, adormecidas, por acordar, talvez algumas possam seguir um caminho semelhante, outras talvez não, mas a situação é semelhante. E aqui surge a empatia, a compaixão, é natural. Todos parte de um todo, a funcionar da mesma forma, aparece, desaparece, aparece, desaparece... apego a quê? É tudo como as ondas do mar...

E "Deus"? Também já me parece bem. Embora para mim o mais natural seja "nem deus nem almas", entendo Deus de várias maneiras. Como um estado mental totalmente puro, como a natureza, mas como um ser que me protege não gosto, desresponsabiliza-me, mas entendo que haja pessoas que prefiram pensar assim, e quem sabe se até há mesmo um Deus. Para mim é indiferente, acho que o ensinamento de Buda é prático e permite-nos lidar com as coisas tal como são, não importa muito de onde surgiram.

Mas é pena que estas palavras tenham ficado tão manchadas. Inquisição, pecado, culpa... é pena. Fui uma vez a uma aula de religião e moral e mostraram uns slides do inferno... Que religião a nossa, que progresso o nosso... continua-se a tratar apenas de criar condições materiais para que se viva bem. E as pessoas continuam a alimentar negatividade, invejas, ódios, vaidade, agressividade, competitividade, e continuam a haver guerras e infelicidade...

domingo, julho 16, 2006

Escrever nos blogs

Alguém falou da presunção de escrever nos blogs, de achar que se tem algo a dizer. Acho que há tanta presunção quando escrevemos nos blogs, como quando falamos com os amigos. Ou talvez menos, ao falar para os amigos estamos implicitamente a força-los a ouvir, escrevendo não obrigamos ninguém a ler.

E que outras pessoas possam ler, pouco importa, não tenho nada a
esconder... é como fazer sirsana na praia rodeado de pessoas, que
importa o que pensam? Não lhes faço mal nenhum, o importante é
garantir que não lhes caio em cima...

Caminhos seguidos

Acho que "o sentido da vida é viver, viver o melhor possível, ser feliz" não é grande coisa. Afinal que orientação dá isto? O que é ser feliz? Ser o mais feliz possível? E como se faz? Claro que cada pessoa tem que encontrar o seu caminho. Pode sempre inspirar-se no caminho que outros seguiram. Eu não encontro nada mais inspirador que a filosofia do Buda, talvez pela limitação da minha forma de pensar, meio científica e sem lugar para crenças. O budismo apenas nos ensina a transformar a mente e a "ver interiormente" as coisas tal como são, o que eventualmente pode acabar com o "sofrimento mental" de uma vez por todas.

O essencial é extremamente simples e prático, e questões que não contribuem para o progresso no caminho, não interessa colocar, só servem para satisfazer uma superficial curiosidade intelectual. Como caminhar para a alegria e paz então? O sofrimento existe, é um facto, toda a gente sofre de uma forma ou de outra, a vida não parece satisfatória. E de onde vem esta insatisfação? Resulta do apego a uma ilusão que criámos. A ilusão de que existem várias entidades separadas e permanentes, especialmente eu próprio, o que gera a noção de um ser permanente que vai morrer, extinguir-se. Apegamos-nos a estas entidades, surge o desejo, a causa do sofrimento. É preciso então acabar com o desejo acabando com a causa do desejo, a ignorância. A ignorância é a ilusão criada, de um mundo de identidades que existem por si só, separadas umas das outras. É preciso ver as coisas tal como são, impermanentes, desprovidas de existência intrínseca. Todas são parte de um todo, cada coisa surgiu e vai terminar, quando não houver condições para se manter. Isto aplica-se a todos os objectos materiais mas também às formações mentais. Os pensamentos e emoções surgem e depois desaparecem, a respiração, as ondas do mar, mas também as rochas à volta do paredão, é só uma questão de tempo. Sem o "eu" e as outras entidades não pode haver apego, e sem apego não há desejo e não há sofrimento. Depois só resta o sofrimento físico, até não haver corpo.

O Buda descobriu uma forma de alcançar uma visão correcta das coisas, de modo a não haver mais lugar para sofrimento, um caminho para o fim da insatisfação: conduta ética, disciplina mental e introspecção. Cultiva-se em simultâneo o amor universal e a sabedoria. O impermanência, que em tudo existe, pode em particular ser vista em mim próprio, observação constante, mas não tensa, o caminho é o da moderação. A vida é em todo o lado, não há pressa, e o caminho leva ao desapego, ao fim do desejo e insatisfação, à paz e alegria.

Claro que compreender racionalmente a impermanência não vale de nada. É preciso ver a impermanência, a vacuidade e simultaneamente gerar compaixão. Esta forma de percepção não racional é curiosa, um bocado estranha para os ocidentais, "insight". Talvez o que chamamos sentimentos sejam o que mais se aproxima, ninguém tenta compreender racionalmente o amor, mas vê-se...

Acho que estou muito budista. O fundo do blog ficou preto, o vazio, com umas impurezas, as letras cinzentas...

Om mani padme hum

quinta-feira, julho 06, 2006

O sentido da vida

Acordo todos os dias de manha, vivo mais um dia e vou dormir. Ainda tenho saúde, mas vou ficando cada vez mais velho, e depois... morro. Que sentido tem isto? Só a morte é certa...

O sentido da vida é viver. Viver o melhor possível, eliminar o sofrimento. Nada exterior pode trazer uma felicidade duradoura. Sofrimento e felicidade existem ao nível da mente. Algumas pessoas são felizes em grande adversidade exterior, outras têm tudo bem à sua volta e são infelizes.

Mas o nosso mundo é tão materialista. O que sabemos sobre a mente? Há a psiquiatria com os seus comprimidos para por as pessoas depressa de volta a produzir riqueza. E a psicologia, com a sua nova moda cognitiva-comportamental... que também pões o pessoal a "funcionar" depressa...

O conhecimento cientifico é sem dúvida muito útil, mas não sabemos quase nada sobre a mente. Na busca da felicidade não interessa para nada saber que partes do cérebro funcionam quando estou a bocejar. A mente não existe sem corpo e cérebro, mas isto não é informação nenhuma, é clara que todas as coisas estão interligadas. E também não serve de nada se o universo surge numa explosão e se expande e se volta o unir e expandir...

As religiões vão directamente ao assunto, ou deviam ir: o caminho para a felicidade. Mas nós temos sempre a tendência a cair no "tudo é matéria" e "somos animais", como se soubessemos grande coisa... há quem diga convictamente que deus existe, e quem diga ter atingido a iluminação. Pessoas que dizem ter visto o universo todo num instante. Não há maneira de provar coisa nenhuma, a única coisa que eu sei é que eu não vi nada disso, ou seja, nada...

E temos o yoga, pouco importa se é religião, menos ou mais que isso. Um conjunto de tecnicas que nos permite aproximar do samadhi. Caminhar para a paz e tranquilidade, felicidade. O "yoga para a felicidade" em Gouveia... caminhar para uma mente tranquila, um sentido de progresso, sentido para a vida, viver o melhor possível. Um grupo de pessoas que caminha lado a lado... uma "religião" minimalista, que só contém principios éticos que não provocam dúvidas a um espirito são...

Sinto falta de um sentido de continuidade no yoga. Vou fazer agora isto porque é fixe. Para quê? O yoga não é só uma brincadeira. É um modo de viver, um conjunto de conhecimentos práticos, que podem ser usados sucessivamente para transformar a mente, atingir um estado de maior tranquilidade, um caminho para a felicidade.

(in the search for the meaning of live, to be continued... :-) )